Título: O PAC e o crescimento sustentável, se o BC deixar
Autor: F. Filho, Fernando e Paula, Luiz F. de
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2007, Opinião, p. A18

No último dia 22/01, o presidente Lula da Silva apresentou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujo objetivo é elevar a taxa de investimento dos atuais 20% para 25% do PIB, possibilitando, assim, "destravar" a economia e assegurar um crescimento econômico sustentável de 5% ao ano, ao longo de seu segundo mandato. As medidas anunciadas, tais como desoneração tributária, estímulo ao crédito e financiamento e investimentos públicos nas áreas de transportes, energia e saneamento, esperam viabilizar, até 2010, um montante de recursos para investimentos da ordem de R$ 504 bilhões - cerca de R$ 68 bilhões provenientes do Orçamento da União, vindo o restante de empresas estatais e do setor privado. Em suma, o PAC cria a possibilidade para que haja uma flexibilidade da política fiscal - o governo poderá reduzir a meta de superávit primário dos atuais 4,25% para 3,75% do PIB -, bem como induz, sob a ótica de investimentos públicos na área de infra-estrutura, a expansão dos investimentos privados.

A idéia que está por detrás do PAC, qual seja, a de que investimentos em infra-estrutura econômica e social geram externalidades para o crescimento econômico (com efeitos benéficos para o investimento privado) - e que eles são compatíveis com as condições de sustentabilidade da dívida pública e de equilíbrio fiscal - nos parece correta. Portanto, por mais que o PAC tenha sido criticado por economistas de distintas matrizes teóricas (para alguns, ele não enfrenta o principal "vilão da economia", qual seja, o gasto público corrente, ao passo que para outros as medidas anunciadas, além de serem tímidas, são apenas intenções de realização futura de investimentos), pelas entidades de classes, tanto patronais (segundo elas, não foram contempladas medidas relacionadas às reformas tributária e previdenciária) quanto dos trabalhadores (as centrais sindicais manifestaram-se contrárias à proposta de se destinar recursos do FGTS para um novo fundo de investimento em infra-estrutura) e pelos governadores (alguns deles reclamaram dos critérios que nortearam os projetos de investimentos públicos e a alocação dos recursos para os Estados), a necessidade de sinalizar medidas que viabilizem o crescimento econômico de forma mais dinâmica e contínua é fundamental, visto que, considerando que em 2006 a atividade econômica tenha crescido ao redor de 2,8%, o PIB, entre 2003 e 2006, cresceu, em média, 2,6% ao ano e esse crescimento caracterizou-se por um processo "à la stop-and-go". Nesse sentido, o anúncio das medidas e a adoção de uma política fiscal mais ativa são mais do que justificáveis.

Todavia, a questão que se apresenta é a seguinte: será que as medidas anunciadas são capazes de acelerar a expansão da atividade econômica entre 2007 e 2010? Nesse particular, entendemos que as condições necessárias para assegurar crescimento econômico estável e inclusão social para a economia brasileira transcendem a lógica do PAC e a possível redução do superávit primário, tornando a política fiscal ligeiramente ativa. Em outras palavras, políticas monetária e cambial, ambas operacionalizadas pelo Banco Central do Brasil (BCB), devem ser articuladas de forma a despertar o animal spirits dos nossos empreendedores e criar um ambiente propício para tanto.

-------------------------------------------------------------------------------- Uma queda acentuada da taxa de juros é essencial para expandir níveis de consumo e investimento do país --------------------------------------------------------------------------------

No que diz respeito à política monetária, a queda mais acentuada da taxa de juros é essencial para expandir os níveis de consumo e de investimento do país de forma compatível com um crescimento maior e sustentado. Para tanto, a política monetária deve ser orientada para o cumprimento das metas de inflação e para a geração de emprego e renda. Infelizmente, o BCB, desde a introdução do regime de metas de inflação, em junho de 1999, tem se comprometido única e exclusivamente em assegurar a estabilidade de preços através de uma política monetária essencialmente ortodoxa, que causa inveja a qualquer monetarista fundamentalista. O resultado dessa ortodoxia monetária fez com que, entre 2003 e 2006, a taxa básica de juros, Selic, em termos reais, fosse da ordem de 11,2%, média anual. Além do mais, a redução da Selic teria efeitos benéficos sobre o custo financeiro da dívida pública, permitindo aliviar as condições de "dominância monetária" que asfixia e obriga o governo a operar com uma carga tributária elevada e um nível muito baixo de investimento público.

Por outro lado, a condução da política de flexibilidade cambial, implementada a partir de janeiro de 1999, cujos objetivos esperados pelas autoridades monetárias eram a reversão dos recorrentes déficits comerciais pós-Plano Real e a estabilidade da taxa real de câmbio, tem mostrado que a taxa de câmbio é bastante volátil e nos últimos anos vem sendo valorizada acentuadamente (a taxa média de câmbio, reais por dólar, foi de 3,08 em 2003, 2,92 em 2004, 2,43 em 2005 e 2,18 em 2006), corroborando, assim, para o controle inflacionário. As conseqüências da volatilidade e tendência de apreciação do real a longo prazo, embora desiguais entre os setores produtivos, são inequívocas: elas afetam as expectativas dos agentes em relação ao fechamento de contratos cambiais e prejudicam os segmentos produtivos que dependem da competitividade cambial. Para que a política cambial possa dinamizar o setor externo e assegurar a autonomia da política monetária é imprescindível a adoção de um mix, qual seja: 1) regime cambial de "câmbio flutuante administrado" que elimine a volatilidade da taxa nominal de câmbio e tenha como meta influenciar a trajetória intertemporal da taxa de câmbio real e 2) mecanismos antiespeculativos para controlar (ou regular), preventivamente, os movimentos de capitais.

Enfim, acelerar o crescimento econômico e propiciar a inclusão social exige mais do que um PAC. É necessário que o BC seja um dos protagonistas da agenda do crescimento acelerado, revertendo sua postura sobre a condução das políticas monetária e cambial. Caso contrário, parafraseando o presidente Lula da Silva ao anunciar o PAC, "as barreiras [não] serão rompidas e os limites [o crescimento médio do PIB de 2,6% ao ano no primeiro mandato] [não] serão superados".

Fernando Ferrari Filho é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS e pesquisador do CNPq.

Luiz Fernando de Paula é professor de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisador do CNPq.