Título: Empréstimos turbinam IPOs e lucro dos bancos
Autor: Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2007, Finanças, p. C1

Começa a chegar à bolsa de valores uma geração de empresas e bancos que ingeriram anabolizantes antes de oferecer seus papéis aos investidores. Eles tiveram seu tamanho turbinado por empréstimos concedidos pelos bancos de investimento que coordenam suas ofertas de ações apenas meses antes do desembarque no pregão. Ao mesmo tempo em aceleram o crescimento dos clientes, os bancos de investimento engordam seus próprios ganhos substancialmente. A fórmula, polêmica, contempla atrelar a remuneração pelo empréstimo à valorização das ações.

Esse novo ciclo na indústria brasileira de abertura de capitais tem incendiado discussões nas últimas semanas a respeito da existência ou não de conflito de interesses em tais estruturas. Afinal, o banco de investimento que serve de intermediário entre a empresa e o investidor passa a ter interesse direto na valorização dos papéis.

O debate vai além: estaria esse mercado começando a acessar uma zona de risco? Isso porque o movimento está intimamente ligado ao fato de estarem chegando ao mercado empresas menores e menos capitalizadas do que aquelas que vieram antes.

O primeiro contrato fechado nesses moldes foi o da operadora de terminal portuário Santos Brasil com o banco Credit Suisse. Agora, o mesmo banco já tem acordos semelhantes nas operações do Banco Pine, da incorporadora InPar e de outros clientes. Outros bancos de investimento também aderiram ao modelo. O UBS Pactual, por exemplo, fará algo semelhante na abertura de capital do banco Cruzeiro do Sul .

No caso da Santos Brasil, o Credit Suisse emprestou R$ 323 milhões para que o Opportunity e o empresário Richard Klien pudessem comprar a participação acionária dos fundos de pensão na companhia. O empréstimo foi atrelado à realização da abertura de capital da empresa. Como parte da remuneração pelo financiamento, o CS recebeu opções de ações da Santos Brasil, com preço de exercício de R$ 7,48. No IPO (sigla em inglês para oferta inicial), a ação foi vendida a R$ 23. Essa diferença de preços rendeu uma receita de R$ 74 milhões ao banco.

A receita atrelada ao empréstimo representou 7,5% do valor captado na oferta. Percentual bastante superior a todas as comissões pagas para a venda das ações, que totalizaram 5%. As informações constam do prospecto da oferta.

No caso da Santos Brasil, o empréstimo resolveu uma questão societária. Mas nas ofertas que estão caminho, o dinheiro injetado está servindo para dar musculatura às a companhias. No Pine, o CS poderá ganhar R$ 35 milhões com as opções de ações, receita superior às comissões que poderão ser pagas, estimadas em R$ 26 milhões. O dinheiro foi emprestado aos controladores, que fizeram um aumento de capital, elevando o patrimônio líquido. Os bancos são avaliados com base no seu PL.

"O conflito de interesse é evidente. Antes do empréstimo, a companhia vale menos e o banco está recebendo um pedaço da empresa maior", diz o sócio de uma companhia que abriu o capital recentemente. Mesma opinião tem um banqueiro de investimentos que prefere não ser identificado. "O banco arbitra o preço da ação entre empresário e investidor e esse ato, agora, poderá gerar lucro maior ou menor para ele."

Para um gestor de fundos, o ganho que os bancos começam a auferir nas operações está desproporcional ao trabalho realizado. "Além das comissões normais, tem o ganho com as opções de ações e também com a venda dos créditos." Em muitos casos, os empréstimos concedidos às companhias ou seus controladores têm sido sindicalizados, ou seja, passados adiante. A liquidez internacional para compra de créditos é enorme. "A CVM deveria regular isso", diz.

O diretor de banco de investimentos do Credit Suisse, José Olympio, não vê qualquer margem para conflito de interesses. "A minha área ou a de corretagem de ações não tem qualquer incentivo financeiro para elevar o preço das ações na oferta porque a receita do empréstimo vai para a área de renda fixa. Meu bônus não é afetado."

Mais importante que isso, diz Olympio, é que é uma área totalmente independente do banco, chamada "syndicate", que arbitra o preço do papel. "As grandes instituições têm estruturas internas para evitar esse conflito."

"O mercado é soberano na hora de atribuir o preço", diz Alexandre Bettamio, diretor do banco de investimentos do UBS Pactual. Bettamio e Olympio argumentam que os empréstimos têm sido importantes para acelerar a ida das companhias à bolsa. "O objetivo é fazer com que as empresas tenham um tamanho bom para ir a mercado o quanto antes", diz Olympio. "Não se sabe até quando o mercado de ações estará aberto", diz Bettamio.

Toda o debate é importante para o desenvolvimento do mercado, mas também é permeada por boa dose de rancor de concorrentes. Bancos de investimento que não aderiram à prática reclamam por perder mandatos para quem "oferece um cheque" aos empresários. Bancos comerciais não estão satisfeitos porque empréstimos concedidos às empresas têm sido quitados com os novos recursos. Por fim, fundos de private equity não gostam de ver os bancos fazendo o que antes era o seu trabalho.

A Comissão de Valores Mobiliários está atenta ao movimento e começa a avaliar se há necessidade de criar regras. "Estamos discutindo se basta dar transparência às informações ou se é preciso dar limites", afirma o presidente da autarquia, Marcelo Trindade.

Para ele, o mais importante por enquanto é que seja dada total transparência aos mecanismos empregados. "Embora o intermediário seja pago pela empresa, ele presta serviço ao mercado e é preciso saber como e quanto o banco está ganhando para saber se ele está sendo influenciado por essa remuneração", diz Trindade.

Qualquer movimento da CVM, entretanto, deverá ser feito com cautela. "Não queremos tirar eficiência do mercado com restrições demais. Além disso, toda vez que se proíbe algo, o mercado busca outras formas de remuneração." Por enquanto, a ordem é transparência total. "O que não estiver escrito nos prospectos vai dar problema para os envolvidos."