Título: O novo direito bancário
Autor: Arnoldo Wald
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2005, Empresas & Tecnologia, p. B2

Nos dois últimos anos, desde da promulgação da Emenda Constitucional nº 40 em 29.5.2003 até a recente aprovação da Emenda nº 45 e das Leis de Falência e das PPP, tivemos uma importante renovação do direito bancário e do direito processual, com repercussões na cobrança de créditos pelas entidades financeiras. Na realidade, havia no Brasil uma cultura de inadimplência, devida principalmente à inflação, que justificava economicamente o atraso dos devedores, que encontravam, no Poder Judiciário, os juros mais baixos do mercado. A correção monetária corrigiu, em parte, essa situação, mas os altos juros do mercado ensejaram um círculo vicioso, em razão do qual os devedores recorriam à justiça para não pagar ou reduzir os seus débitos. E, por outro lado, a inadimplência e o chamado "risco judiciário" aumentavam os juros que os bancos cobravam, fazendo com que os devedores pontuais pagassem por aqueles que não o eram. Finalmente, o legislador, por iniciativa do Executivo e contando com a cooperação da sociedade civil, passou, nos últimos anos, a tomar as medidas necessárias para desincentivar a inadimplência. Assim, a consignação em folha de pagamento prevista pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003, está permitindo uma ampliação do crédito, gerando um movimento bancário que teria alcançado, em menos de um ano, mais de dez bilhões de reais, baixando as respectivas taxas de modo substancial. Além do seu aspecto econômico, é crédito socialmente importante, pois permite o acesso a determinados bens, por pessoas que não poderiam adquiri-las se não existisse essa fórmula creditícia. É, assim, um instrumento de luta contra a exclusão, ao mesmo tempo que amplia o poder do consumidor e conseqüentemente a escala de produção, tendo um papel análogo ao exercido pela alienação fiduciária. Por outro lado, em virtude da Lei nº 10.931, de 2.8.2004, deu-se maior segurança aos credores, nas operações comerciais e industriais e no crédito imobiliário. O Ministro Palocci chegou a afirmar que se trata de um verdadeiro "novo marco da construção civil no Brasil". Efetivamente, a lei permitiu o bom funcionamento do mercado de securitização do crédito imobiliário, fazendo os necessários ajustes e complementando a Lei nº 9.514/97, que abriu caminho para uma retomada do mercado imobiliário. Não só tratou da Letra de Crédito Imobiliário e da Cédula de Crédito Imobiliário, como também reformulou o patrimônio de afetação, aumentando as garantias tanto dos financiadores como dos adquirentes de imóveis. O seu papel em relação à construção civil se equipara à função creditícia da alienação fiduciária e do arrendamento mercantil, para os bens de consumo, que, há várias décadas, substituíram a vestuta venda com reserva de domínio. Na área agropecuária, que está adquirindo maior importância nos últimos anos, inclusive para aumentar as nossas exportações, houve uma modernização e reformulação dos instrumentos de crédito, permitindo a securitização e desenvolvendo assim, com maior segurança, o financiamento à produção e à comercialização, ultrapassando uma fase na qual os proprietários rurais dependiam exclusivamente de um crédito subsidiado. Por outro lado, as garantias dadas aos financiadores passaram a ser sólidas, diminuindo o custo do crédito.

A securitização permite a circulação dos créditos

O milagre da securitização consiste em permitir a circulação dos créditos, fazendo uma ponte entre o sistema financeiro e o mercado de capitais, entre o crédito interno e o externo. Por sua vez, a lei de falências passou a permitir, de modo realista, efetivo e rápido, a recuperação das empresas, dando bases legais a práticas já existentes, mas que envolviam riscos fiscais e outros que dificultavam a aquisição dos ativos por empresa solvente. Trata-se, no fundo, de distinguir a empresa do seu controlador e de salvar ativos e manter empregos, evitando o sucateamento dos bens das massas falidas e a sua gestão ruinosa. Finalmente, a Lei das PPP vem complementar a legislação sobre concessões de 1995 e da arbitragem de 1996, permitindo que se concilie a luta contra o déficit público com o combate ao déficit de infra-estrutura, fazendo com que os investimentos privados de hoje sejam pagos pelos usuários de amanhã. Haverá uma espécie de "zoom", em virtude do qual se aproxima o futuro, permitindo que se façam hoje obras que, financeiramente, o Estado só poderia realizar num futuro mais remoto. Supera-se, assim, desde logo, os gargalos de estrangulamento que dificultam a comercialização e especialmente a exportação dos nossos produtos, dotando o país de estradas de ferro e de rodagem, de portos e de aeroportos, para intensificar os nossos contatos com o exterior, sob todas as suas formas, abrangendo o investimento, o financiamento, o turismo e o comércio internacional. No tocante ao Judiciário e ao processo civil, a Emenda Constitucional nº 35 e os vários projetos já remetidos ao Congresso Nacional, ou em vias de elaboração, devem garantir maior eficiência aos nossos tribunais Devemos, pois, reconhecer uma evolução, em virtude da qual estamos modernizando o nosso direito para que possa ser um instrumento do progresso econômico e social do país, constituindo um verdadeiro direito do desenvolvimento do qual tanto necessita o país.