Título: Estudo mostra que PNAD subestima renda em R$ 219 bilhões
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2007, Brasil, p. A4

A renda das famílias brasileiras é 26% maior do que a apurada pela pesquisa mais utilizada no país para se medir rendimentos, a PNAD. Na prática, isso significa que há mais R$ 219 bilhões disponíveis para o consumo do que se imagina. Essa pode ser mais uma das razões - além do aumento das importações - para o crescimento da demanda bem mais acelerado do que o da produção. E ajuda a entender também os baixos índices de inadimplência, apesar da forte expansão do consumo. Com a revisão para cima do PIB, essa renda deve ser ainda maior.

A subestimação é apontada por um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que compara a renda das famílias brasileiras apurada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) com a da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) e com os números do Sistema de Contas Nacionais (SCN). Todos esses dados são do IBGE.

Além da renda ser maior do que a divulgada pela PNAD, essa discrepância em relação aos dados da POF não ocorre apenas devido ao fato de a primeira pesquisa não captar de maneira fiel os rendimentos de ativos. Os pesquisadores Ricardo Paes de Barros, Samir Cury e Gabriel Ulyssea, autores do estudo, concluem que a principal contribuição para essa diferença de 26% é justamente a da renda do trabalho, que também é mal captada pela PNAD. O estudo é um dos capítulos do livro "Desigualdade de renda no Brasil: uma análise do quadro recente", que será lançado nas próximas semanas.

A renda do trabalho apurada pela POF é 24,4% maior do que a verificada pela PNAD. Devido a isso, a contribuição desses rendimentos para a diferença entre as rendas totais das famílias é de 62,8%. Boa parte dessa subestimação da renda do trabalho acontece porque na PNAD muitas pessoas não declaram como rendimento ganhos como o 13º salário, saques do FGTS, vale-refeição e vale-alimentação.

A renda dos ativos vem em segundo lugar na contribuição para a subestimação da renda. Ela é, na verdade, 38,2% do que a declarada pelos brasileiros que respondem às perguntas da PNAD. O dinheiro fruto do aluguel imputado (aquele que a pessoa deixa de pagar se mora em casa própria) é 14,5% maior, enquanto que os lucros com aluguéis, juros e dividendos é 17,1% maior na POF do que na medição da PNAD.

Os cálculos mostraram que apesar da renda das famílias ser maior do que aquela com a qual trabalham governo, consultorias e especialistas, esse diferencial não altera a desigualdade social medida pelo coeficiente de Gini. Esse indicador varia de uma escala de zero a um e quanto mais perto de zero for o coeficiente, menos desigual é um país. Pela PNAD, esse coeficiente estaria em 0,583, enquanto que com os dados da POF, ele ficaria em 0,582. "Não há grande diferença porque a subestimação da renda se dá em todos os estratos de renda, sendo mais intensa nos extremos de riqueza e de pobreza", explica o pesquisador Samir Cury.

Um outro cálculo realizado por Cury, Paes de Barros e Ulysses mostra que o nível de desigualdade no Brasil pode ser menor do que 0,58. Os pesquisadores olharam para a renda das famílias de uma maneira diferente. Partindo do princípio de que alguns gastos do governo representam serviços de utilidade para as famílias, a renda não deve ser a arrecadação do governo, mas sim seu gasto total. "A família que não paga escola a seus filhos ou seguro-saúde, por pior que possam ser esses serviços públicos, economiza dinheiro e acaba tendo uma renda maior do que a declarada", explica Cury. Ao mesmo tempo, os cálculos do estudo deduziram gastos com impostos.

O resultado é um coeficiente de Gini de 0,503 pela PNAD (ante 0,583), supondo que 75% dos gastos do governo são efetivamente transferidos para as famílias. Isso significa que o índice utilizado hoje para medir a desigualdade está 16% acima dos números encontrados pelo estudo. "Fica claro o enorme impacto redutor de desigualdade que os gastos do governo podem ter", avalia Cury. Se esses gastos impedem ou não o país de crescer, aí já é outra discussão.