Título: Para Brasil, projeto teria de ser de mais longo prazo
Autor: Watson, Julie
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2007, Internacional, p. A14

Disposto a evitar confrontos com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o governo brasileiro mudou o discurso oficial em relação à proposta do venezuelano, de criação do Banco do Sul, com reservas internacionais dos países sul-americanos. Até recentemente, as autoridades brasileiras rejeitavam uma nova instituição financeira na região e defendiam o fortalecimento de instituições já existentes, como a Corporação Andina de Fomento (CAF). Agora, o Brasil decidiu participar das discussões de formação do Banco do Sul. Mas argumenta que esse é um objetivo de prazo mais longo e propõe outras medidas imediatas de financiamento para a região.

"O Banco do Sul é um processo que exigirá muito mais trabalho", prevê o assessor internacional do Ministério da Fazenda, Luiz Eduardo Melin. Ele acredita que o prazo de 120 dias fixado pelos governos da Venezuela e da Argentina (agora com apoio do Brasil) para criação do banco permitirá um "desenho inicial" de pontos gerais da nova instituição. Não é suficiente, porém, para definições fundamentais, como o plano de contas do novo banco ou a formação do corpo técnico. Enquanto discutem esses pontos, argumenta Melin, os governos sul-americanos podem adotar ações imediatas, coordenando a operação dos bancos e fundos existentes na região.

"Para soluções de financiamento em prazo mais curto, já podemos usar os instrumentos existentes, facilitar o acesso ao que já existe", defende o economista do ministério da Fazenda. "Não são propostas contraditórias, mas complementares", diz Melin, ao garantir que considera indispensável começar a discussão para formação do Banco do Sul, que, por ser um trabalho de mais longo prazo, deveria começar o quanto antes.

A posição do governo brasileiro foi levada por Melin e pelo assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, a representantes dos países da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa) reunidos em Buenos Aires, na semana passada (os venezuelanos faltaram à reunião). Sem condenar o Banco do Sul, os brasileiros defenderam proposta ainda mais ambiciosa, a de elaborarem propostas de coordenação dos sistemas financeiros dos países do continente, com projetos de longo prazo como a emissão conjunta de bônus - a exemplo do que fizeram, recentemente, Venezuela e Argentina.

"É imprescindível que o novo banco tenha características que permitam preencher lacunas existentes", argumenta Melin. "O trabalho com os recursos já existentes vai nos mostrar onde estão as lacunas, erros, acertos, o que precisa ser reforçado, e o que deve ser reconstruído para atuar no futuro."

Com apoio dos argentinos e funcionários de outros governos, os integrantes da Casa decidiram convocar os dirigentes das instituições financeiras e de fomento dos respectivos países, para, em abril, montarem um quadro comparativo dos diversos instrumentos disponíveis para financiamento na região, em instituições com o o BNDES, o Banco de La Nación argentino ou o BANDES venezuelano. Com esse "mapa", diz Melin, será possível combinar os diversos instrumentos nacionais para reduzir custos, ampliar prazos e aumentar o alcance dos recursos existentes para financiar projetos.

Em um ponto, porém, o projeto de Chávez não tem apoio dos maiores aliados: o uso de reservas internacionais para formar o capital do futuro banco. No Brasil, o uso de reservas para esse fim é vetado pelo BC; na Argentina, o caso é ainda mais complicado, segundo explicam as autoridades argentinas, que , por lei, são obrigadas a reduzir a quantidade de circulação sempre que reduzem as reservas internacionais, na proporção de três pesos para cada dólar retirado. Além do impacto monetário, que desaceleraria a economia, o uso das reservas para outros fins poderia criar problemas nas ações movidas nas cortes internacionais por credores da dívida argentina afetada pela moratória decretada por aquele país. Melin, embora se recuse a comentar esses detalhes, reconhece que não se tem clareza de qual será sua fonte de recursos (funding, no jargão do ramo).