Título: Demanda e política atraem aéreas da Ásia para o Brasil
Autor: Campassi, Roberta
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2007, Empresas, p. B2

A primeira a chegar foi a Air China, em dezembro de 2006. Em outubro deste ano, é a vez da Emirates estrear, com vôos diretos de São Paulo a Dubai. E, no início de 2008, a Qatar Airways também começa a voar da capital paulista para Doha. Em pouco mais de um ano, três companhias aéreas asiáticas vão estar operando no Brasil - número significativo, uma vez que até o fim do ano passado somente a Japan Airlines (JAL) voava para cá. Além de atender a demanda já existente, os novos vôos devem fomentar o fluxo de passageiros entre Brasil-América do Sul e Ásia, o que significa dizer que o mercado potencial de turistas vai crescer para as duas pontas das rotas.

Do lado do Brasil, os novos vôos facilitam as viagens e abrem caminho para que o país receba mais turistas asiáticos. Segundo Jeanine Pires, presidente da Embratur, a estatal responsável por promover o Brasil no exterior, esses viajantes têm alto poder aquisitivo, buscam serviços de alta qualidade e, portanto, apresentam grande potencial de gastos. Entre os destinos preferidos por eles estão Foz do Iguaçu, Amazônia e Rio de Janeiro. "Eles gostam menos de praia e calor, e mais de natureza", conta Jeanine.

Hoje, o número de turistas asiáticos é pouco significativo, dentro dos mais de 5 milhões de estrangeiros que o Brasil recebe por ano. Entre japoneses, chineses, coreanos e turistas do Oriente Médio, o número não chega a 150 mil.

China, Emirados Árabes e Catar também têm interesse em atrair o turista sul-americano. O número de pessoas que saem do Brasil com destino à Ásia vem crescendo, especialmente devido ao aumento do comércio entre as duas regiões. Embora as estatística do ano de 2006 ainda não estejam fechadas, acredita-se que o fluxo tenha crescido consideravelmente no ano passado. Estudo de uma das empresas mostra que 400 mil passagens para a Ásia foram compradas dentro do Brasil em 2006.

"O simples fato de colocarmos um vôo direto já abre uma enorme oportunidade", diz Ian Gillespie, diretor da Qatar Airways para América Latina e Caribe, ex-executivo da British Airways. "A existência do vôo torna os destinos mais acessíveis ao turista", diz.

Atualmente, a o fluxo de passageiros entre América do Sul e Ásia e quase todo atendido pelas companhias européias, como Lufthansa, Air France e British Airways, cujos vôos fazem escala em seus países de origem. No passado, quando os Estados Unidos não exigiam visto de conexão, a maior parte dos passageiros com destino à Ásia viajavam com companhias americanas.

"Não queremos dividir esse bolo e sim fazê-lo crescer", diz Ralf Aasmann, diretor geral da Emirates para América Latina e Caribe, ex-executivo da Lufthansa no país. No caso da Emirates e da Qatar, a vantagem competitiva em relação às européias é que elas vão operar vôos diretos de São Paulo para o Oriente Médio. Mas elas também vão buscar atrair o passageiro com o nível de serviços. Ambas estão classificadas entre as melhores companhias aéreas do mundo pela qualidade do atendimento. "Saber servir é algo muito apreciado na cultura árabe", diz Aasmann.

A demanda existente e o potencial de aumento do número de passageiros são alguns dos motivos que explicam o interesse das empresas asiáticas pelo Brasil. Conta também o fato de que a estratégia dessas empresas contempla a presença global. Com forte ritmo de crescimento, elas estão ampliando seu mapa de rotas e o Brasil é o primeiro destino delas na América Latina. Por último, mas igualmente importante, está o fator político, que vem ganhando ênfase desde que o Brasil aproximou-se dos países asiáticos. Air China, Emirates e Qatar são controladas pelo governo e têm entre seus objetivos representar seus países e promovê-los ao redor do mundo.

O caso da Air China é um bom exemplo. A empresa, que é 100% estatal, estudou operar no Brasil pela primeira vez em 1998. Na época, porém, não existia demanda nem aproximação com o Brasil fortes o bastante para justificar a operação e a Air China concluiu que cada um de seus vôos entre os dois países geraria prejuízo de US$ 100 mil.

Desde então, porém, o cenário mudou consideravelmente. Brasil e China tornaram-se parceiros comerciais e a procura por viagens entre os dois países cresceu. "E então a matriz da empresa decidiu criar o vôo. Foi uma grande decisão. Uma parte do motivo é o mercado, a outra é política", conta o gerente geral da Air China no Brasil Han Ping. A Air China tem dois vôos semanais de São Paulo para Pequim com escala em Madrid. A taxa de ocupação é de 85%, segundo o executivo chinês.

O pano de fundo é parecido no caso da Qatar e da Emirates. O Brasil passou a figurar no horizonte das companhias depois que o presidente Lula visitou o Oriente Médio, em 2003, e após a Cúpula América do Sul - Países Árabes, em 2005. No ano passado, elas começaram a estudar o mercado brasileiro e a montar as bases para chegar ao país.

Como companhias de bandeira dos Emirados Árabes e do Catar, as duas empresas carregam a responsabilidade de promover seus países no exterior, que vêm investindo em infra-estrutura e preparando suas economias para quando as reservas de petróleo e gás natural se esgotarem, em cerca de 25 anos.

Com território equivalente à metade do menor estado do Brasil, Sergipe, o pequeno Catar está se desenvolvendo como um pólo de eventos esportivos. A paisagem árida e pedregosa contrasta com a prática de esportes aquáticos ao longo de sua costa no Golfo Pérsico e com os campeonatos de golfe, realizados em campos tão verdes quanto em outros lugares do mundo. Já os Emirados Árabes trabalham para se tornar o maior pólo turístico da região e investem em luxuosos hotéis e resorts.

E dinheiro não é exatamente uma barreira para essas empresas. Elas têm um enorme apetite por aviões e, apesar de serem estatais, Air China e Emirates registram lucros altos e a Qatar, que tem dez anos, atingiu o equilíbrio financeiro. Tudo indica que elas não vieram para perder.