Título: BC quer unificar mercado de câmbioAlex Ribeiro De Brasília
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2005, Finanças, p. C1

O Banco Central concluiu os estudos para uma nova rodada em seu projeto de liberalização do mercado de câmbio. Desta vez, serão unificados os dois segmentos hoje existentes, o livre e o flutuante. A proposta já foi apresentada ao Ministério da Fazenda, que concordou com as linhas gerais. Só não foi submetida ao Conselho Monetário Nacional (CMN) até agora porque um dos seus três membros - o ministro do Planejamento - é interino. O governo só vai tomar uma medida com tal alcance quando o órgão estiver com a equipe titular. Na prática, desde 1999, quando foi adotado o regime de flutuação da moeda, os dois segmentos de câmbio já estão interligados. Mas, formalmente, operam com dois arcabouços regulatórios distintos, o que confere um elevado grau de incerteza e de burocracia ao sistema em vigor. A proposta do BC é eliminar essa incerteza e simplificar as normas cambiais.

Quando criado, em 1988, o sistema de câmbio composto por dois segmentos foi considerado um avanço. A idéia era permitir que operações de câmbio consideradas legítimas, como a compra de dólares para turismo, cursassem pelo segmento flutuante. Seriam deixadas para o câmbio paralelo - ou "negro" - apenas as operações vinculadas a atividades ilegais, como contrabando e tráfico. Mais tarde, em 1992, foram ampliadas as operações que poderiam transitar pelo regime flutuante. Por meio das contas CC-5 foi autorizado que brasileiros enviassem capitais ao exterior, seja sob a forma de investimentos, empréstimos ou disponibilidade de recursos. O segmento livre, também conhecido como comercial, ficou reservado para as operações de exportação, importação, pagamentos de serviços e remessas de rendas (juros e dividendos), além de ingressos e saídas de capitais estrangeiros (empréstimos, investimentos etc.). Durante anos, a principal diferença entre um mercado e outro foi a taxa, um pouco mais elevada no flutuante. Mais tarde, foi adotada uma política de convergência das taxas dos dois segmentos. Elas passaram a ser idênticas em 1999, quando foi inaugurado o regime flutuante, com a interligação das posições de câmbios dos bancos nos dois mercados. Ou seja: dólares do segmento livre podem alimentar o flutuante, que é cronicamente deficitário. Os bancos foram obrigados, porém, a manter os registros das operações separadamente para cada mercado. Esse sistema facilita muito uma eventual centralização do câmbio. Em tese, bastaria a diretoria do BC aprovar uma circular interrompendo a comunicação entre os dois segmentos. Nessa hipótese, a cotação do dólar no segmento flutuante dispararia, evitando remessas de capitais por brasileiros e compras de dólares para turismo. Uma fonte que teve acesso aos estudos do BC explica que, com a unificação dos sistemas de câmbio, o governo não abriria mão de controlar movimentos de câmbio, instrumento que pode se mostrar útil em situações de emergência. Trata-se, na verdade, de tirar esse poder da alçada do BC, deixando-o para quem está um degrau acima - no caso, o CMN. A Lei 4.595, de 1964, que criou o Conselho, permite que ele outorgue ao Banco Central "o monopólio das operações de câmbio quando ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamentos ou houver sérias razões para prever a iminência de tal situação". Na esteira da unificação dos mercados de câmbio, a tendência é que também sejam simplificados os procedimentos de algumas operações que transitam pelo segmento flutuante - é o caso, por exemplo, dos investimentos feitos por brasileiros no exterior. Atualmente, essas inversões podem ser feitas automaticamente apenas até o limite de US$ 5 milhões. Acima disso, é necessária a autorização do BC, caso a caso. De qualquer forma, seria mantida a exigência de os investidores informarem essas operações ao BC para fins de registro - providência que permitiria o rastreamento de crimes de lavagem de dinheiro, por exemplo. A justificativa para facilitar os investimentos brasileiros no exterior é a importância que as inversões de capitais originados de países emergentes estão tomando no cenário internacional. Países como China e Coréia do Sul estão na dianteira desse processo. A avaliação é que o excesso de burocracia no Brasil faz com que parte dessas operações transitem pelas contas CC-5, que têm a vantagem da simplicidade, mas representam um risco para empresas, já que o mecanismo ganhou na última década um rótulo de ilegalidade. A filosofia das mudanças no câmbio, afirma uma fonte que leu o projeto, não será exatamente a maior liberalização do mercado, e sim a simplificação de suas normas. Segundo esse argumento, hoje de fato já vigora um sistema de livre movimentação de capitais, com as transferências internacionais de reais feitas pelas contas CC-5. A idéia é induzir a migração das operações para um mercado único de câmbio. O projeto vai atender também o princípio, adotado pelo governo até agora, de promover a liberalização sempre gradual e cuidadosa. Não se cogita para este momento, por exemplo, nenhum tipo de alteração na legislação, da década de 1930, que determina a chamada cobertura cambial (ou seja, o ingresso obrigatório no país de dólares de exportações). Também seria mantida a Lei 4.131, de 1962, que disciplina o ingresso de capitais estrangeiros e a remessa de lucros e dividendos ao exterior.