Título: O câmbio contornado
Autor: Cotias, Adriana e Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2007, EU & Investimentos, p. D1

Mineradoras, siderúrgicas, fabricantes de papel e celulose e produtoras de bens de capital já tiveram dias melhores. Quando o dólar estava acima de R$ 3,00, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumir o primeiro mandato, exportar era uma alegria só. A fase mais aguda da crise desencadeada antes das eleições havia sido superada e os ganhos de competitividade eram claramente identificados nas receitas das companhias. Mas, com o dólar beirando os R$ 2,00, a capacidade das exportadoras de preservar margens volta à baila. A boa notícia é que a valorização da taxa de câmbio brasileira coincide com um longo ciclo de alta das commodities no mercado internacional. Para os analistas, isso quer dizer que ter ações de empresas que destinam parte da produção para o exterior é uma boa aposta.

Como não é de hoje que o real vem ganhando valor em relação ao dólar, o setor privado teve de reagir. Até porque há no mercado a percepção de que o superávit do balanço de pagamentos é estrutural e, portanto, veio para ficar, diz o economista da Quest Investimentos, Paulo Pereira Miguel. "As empresas mexeram nos custos para ser mais eficientes, algumas trocaram fornecedores locais por internacionais e outras ainda partiram para a internacionalização", diz.

Para o especialista, o dólar baixo deve persistir no longo prazo, com períodos mais ou menos intensos de depreciação. Isso porque o único comprador voraz da moeda americana hoje é o Banco Central (BC). E com o risco-Brasil em queda - termômetro da confiança externa no país -, o fluxo de capital segue positivo não só pelo lado da balança comercial e dos investimentos diretos, mas também pelo lado dos investimentos financeiros.

A ampliação dos volumes exportados e a valorização das commodities no mercado internacional mais do que têm compensado a perda de competitividade com as exportações, diz o chefe de análise da corretora Ágora, Marco Melo. "Não é o melhor dos mundos, mas as companhias estão preparadas para enfrentar o problema." Exemplo disso, cita, é o caso da Vale do Rio Doce, que fechou contratos de longo prazo com a China e a Índia, garantindo por três, quatro anos, volumes e preços.

No setor de papel e celulose, a dependência do mercado externo é menor, já que a maioria das empresas dedica de 30% a 40% da produção para o exterior, diz Melo. E mesmo a Aracruz, que foge à regra e destina mais de 90% para o mercado internacional, tem conseguido calibrar seus custos e manter competitividade. "O eucalipto tem um 'timing' de corte de sete a oito anos, bem abaixo da média mundial, e a empresa tem reservas florestais localizadas próximas aos portos, contando com uma estrutura logística bem montada e conseguindo, assim, baixo custo de mão-de-obra e de matéria-prima."

O longo ciclo de valorização das commodities metálicas nos últimos cinco anos foi o que salvou as exportadoras brasileiras de verem seus lucros transformados em prejuízos, afirma o analista da Prosper Gestão de Recursos Gustavo Lacerda Barbeito. "Desde que o dólar começou o processo de desvalorização, as commodities iniciaram uma trajetória de aumento de preços que continua", diz Barbeito. Sorte ou não, as grandes exportadoras brasileiras são produtoras de commodities, como as mineradoras, siderúrgicas e fabricantes de papel e celulose.

Mas a questão primordial para as exportadoras é saber até quando irá durar esse cenário cor-de-rosa de alta das commodities. Para Barbeito, enquanto a economia mundial estiver aquecida, esses produtos continuarão subindo. "Mais do que a desvalorização do dólar, a desaceleração da economia mundial é que poderia ter um efeito devastador sobre os preços das commodities e também afetar a liquidez mundial."

As perspectivas são, no entanto, positivas. Mesmo com a desaceleração da economia americana, é perfeitamente possível que o mundo continue crescendo a taxas importantes. "Cerca de 45% do minério de ferro produzido no mundo é comprado pela China e se o país continuar crescendo a 10% ao ano será muito difícil ver os preços caindo", diz Barbeito. Nessa linha, a Vale do Rio Doce só tem a ganhar, já que está entre as três maiores produtoras e exportadoras de minério, juntamente com a Rio Tinto e a BHP.

Se a queda do dólar de alguma forma pesou no resultado das exportadoras, ao menos serviu para melhorar o perfil da dívida das empresas. Aquelas que já tinham se endividado em dólar viram os seus passivos mingüarem. Com a escalada do dólar em 2002, quando a moeda bateu nos R$ 4,00, as dívidas em moeda estrangeira explodiram. Quando a situação se reverteu, outras que se endividavam no Brasil, pagando altas taxas de juros, passaram a ter oportunidade de lançar papéis no exterior, se beneficiando do câmbio mais ameno. "Com a queda da moeda americana, as exportadoras puderam casar dívidas e receitas", completa o analista da Prosper.

Mas como o câmbio valorizado não tem o mesmo peso para os diversos setores da economia, há empresas que tiram proveito dessa situação. As companhias aéreas, por exemplo, pagam menos na compra de insumos importados, além de se beneficiarem da queda dos custos nos seus contratos internacionais de leasing dos aviões, destaca o analista da Brascan Corretora Felipe Cunha. Já o setor elétrico, bastante endividado em moeda estrangeira no passado, hoje tem exposição menor ao dólar. A exceção é a Cesp. "Mais de 50% do endividamento total da companhia está em moeda estrangeira, mas há planos para reduzir essa exposição e alongar o passivo."