Título: Evo chega sem promessa de aumento no preço do gás
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2007, Brasil, p. A4

Contrariado, o Palácio do Planalto recebeu apenas na tarde de ontem a confirmação da visita oficial que o presidente da Bolívia, Evo Morales, fará hoje ao país. O desembarque de Morales em Brasília está previsto para esta manhã. Até a véspera da viagem, ele tentou, primeiro em recados dados ao governo brasileiro por seus auxiliares e depois por intermédio da imprensa, arrancar um compromisso de reajuste do gás boliviano.

De manhã, Alex Contreras, principal porta-voz do presidente boliviano, ainda dava como "indefinida" a viagem. "Depende de uma última avaliação do ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, e do presidente da YPFB, Manuel Morales", afirmou Contreras à agência France Presse.

A intenção de La Paz era obter um reajuste para os 27 milhões de BTUs (unidade de referência do setor) fornecidos pelo gasoduto Brasil-Bolívia, cujo preço atual é de US$ 4,30, e do 1,2 milhão de BTUs enviados a Cuiabá, à cotação de US$ 1,09. Sofrendo pressões internas cada vez maiores, Morales queria um reajuste para no mínimo US$ 5, preço definido no acordo de venda da matéria-prima para a Argentina.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, até mesmo no Fórum Econômico Mundial de Davos, a decisão da Bolívia de nacionalizar a produção de hidrocarbonetos no país. Mas auxiliares próximos de Lula consideram exagero a ameaça de Morales de cancelar a viagem em função do gás. Para o Itamaraty, trata-se de uma visita mais ampla e com outros assuntos importantes, que não podem ficar condicionados a um tema único. Prevê-se, por exemplo, o anúncio oficial do perdão de uma dívida de US$ 1,3 bilhão contraída pela Bolívia junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foi um dos principais articuladores desse perdão.

O Palácio do Planalto tem defendido uma negociação "técnica" do reajuste do gás, entre YPFB e Petrobras, sem interferência política. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, desconversou sobre a possibilidade de uma decisão sobre o preço do combustível durante a visita. Mas acenou com uma medida de grande impacto para o país vizinho: a construção de duas usinas adicionais do complexo hidrelétrico do rio Madeira.

Além das usinas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, o projeto original previa a construção de uma hidrelétrica binacional na fronteira (Guajará-Mirim, na foz do rio Abunã) e uma quarta em território boliviano (no rio Beni, que se junta com o Mamoré para formar o Madeira). É um investimento importante para a Bolívia, que provavelmente venderia parte da energia produzida ao Brasil.

Apesar da insistência, os bolivianos não devem ser atendidos em um dos seus principais pleitos ao governo brasileiro: de que sejam ouvidos no processo de licenciamento ambiental das duas usinas do Madeira em território brasileiro. Eles alegam a existência de impactos fluviais transfronteiriços. Mas o governo tem pressa para licitar as hidrelétricas e o Ibama confirmou que deverá concluir, ainda em fevereiro, a análise ambiental dos empreendimentos. Se constatar que não há impacto sobre a Bolívia, como argumentam os estudos ambientais do consórcio Furnas-Odebrecht, a tendência é que La Paz seja apenas comunicada previamente da decisão, sem, no entanto, interferir no processo.