Título: ONU avalia situação do microcrédito no mundo
Autor: Robson Borges
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2005, Finanças, p. C8

"Um pequeno empréstimo pode mudar uma família. Vários podem fortalecer a comunidade. Milhares podem transformar uma economia inteira". Este é slogan adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para promover o Ano Internacional do Microcrédito, em 2005. Uma das principais iniciativas do programa, que será prioritário para ONU ao longo dos 12 meses deste ano, é garantir que cem milhões das famílias mais pobres do mundo, especialmente as chefiadas pelas mulheres, recebam crédito em 2005. Também pretende-se realizar um levantamento mundial sobre a situação do sistema. "O número de clientes de microfinanciamento varia de 70 milhões a 750 milhões no mundo", disse ao Valor José Antonio Ocampo, subsecretário geral para Assuntos Econômicos e Sociais da ONU e co-presidente do comitê do Ano Internacional do Microcrédito, que inclui pesos pesados como Stanley Fisher, vice-presidente do Citigroup, Raghuram G. Rajan, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), a atriz Natalie Portman, entre outros. Todos endossam que o programa é bom para a cadeia de financiamento. De acordo com o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), agência da ONU, nos últimos cinco anos, o setor microfinanceiro cresceu entre 25% e 30% ao ano, sendo que 63% das principais instituições microfinanceiras mundiais tiveram rendimento médio de 2,5% de seus ativos. As Nações Unidas, por outro lado, também apostam no incentivo ao microcrédito como instrumento essencial para o combate a pobreza. A ONU concluiu que US$ 50 podem fazer uma grande diferença nos micronegócios de uma vila de um país em desenvolvimento. Segundo estudos usados como referência pela ONU, alguns exemplos isolados mostram o potencial do mecanismo. A organização cita o Brasil, que possui cerca de 15,7 milhões de pessoas na economia informal como microempresários batendo o setor formal numa proporção de três para um. "Do total de microempresários, 93% administram negócios rentáveis", diz o documento da ONU. O Brasil pretende, de fato, incrementar o sistema. Em novembro do ano passado, o governo federal lançou a Medida Provisória para a criação do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado. Segundo dados oficiais, de agosto de 2003 a novembro de 2004, o fluxo dos empréstimos do microcrédito atingiu R$ 1,19 bilhão. A Medida Provisória oferece benefícios como a isenção de CPMF, que deverá ser expandida a 3,8 milhões de contas simplificadas. Além disso, a MP elimina o limite atual de R$ 1 mil para empréstimos, deixando ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a tarefa de fixar novos tetos. O CMN também deve alterar regras para facilitar a adesão de microempreendedores a cooperativas de crédito. Terá acesso ao crédito a pessoa física ou o empreendimento com rendimento anual de até R$ 60 mil. O limite do empréstimo será de R$ 5 mil, com a taxa de até 2% mensais. O Ministério da Fazenda do Brasil estima que 1,7 mil entidades como cooperativas de crédito, organizações da sociedade civil de interesse público (Ocips) ou sociedade de crédito a microempreendedores serão cadastradas pelo CMN para repassar recursos, que podem totalizar R$ 400 milhões mensais. Na América Latina, a Venezuela também está agindo. Aumentará o número de pequenos empréstimos a grupos vulneráveis. O Banco Industrial do Estado dedicou US$ 65 milhões à concessão de microcrédito em 2005. "Tem sido bastante estimulante testemunhar a reação em relação ao Ano Internacional do Microcrédito. Um grande número de atividades está sendo planejado em todos os níveis, tanto no setor público como na sociedade civil", comenta. Para Ocampo, o projeto mais importante do Ano Internacional do Microcrédito é o "Blue Book" (livro azul), que levantará justamente os melhores modelos e os maiores desafios do microfinanciamento atualmente, como "por que tantas pessoas pobres não têm acesso aos serviços de financiamento". O "Blue Book" será publicado no meio de junho para apoiar as políticas públicas de todos os países membros da ONU para se alcançar as metas do milênio. Segundo o subsecretário da ONU, o microcrédito e o microfinanciamento estão contribuindo significativamente para se atingir as oito metas estabelecidas em 2000 para a melhoria da saúde, da educação, da igualdade de gênero e da redução da pobreza no mundo até o ano de 2015. Estudos comparativos realizados pela ONU mostram que chefes de família de casas pobres que têm acesso ao microfinanciamento mudam o foco de uma sobrevivência de curto prazo para o planejamento do futuro. "Eles investem mais em alimentação, melhoram as condições de saúde, oferecem mais acesso a educação e moradias mais confortáveis", observa José Antonio Ocampo. A Bolívia é um caso típico desse benefício, segundo a ONU. Em dois anos, a linhas de microcrédito dobraram a renda dos clientes em apenas dois anos. Na Indonésia, a média de renda das pessoas que foi atendida pelo microcrédito aumentou em 112% e 90% subiram de classe social. Em Bangladesh, a organização comprovou que 48% dos clientes mais pobres de microcrédito subiram alguns degraus na escala de pobreza. A importância do microcrédito para o desenvolvimento econômico começou justamente em Bangladesh, com a criação do Grameen Bank. Seu mentor é o economista Mohammed Yunnus, professor universitário, que identificou no país muitas pessoas que sobreviviam com atividades informais, muitas delas com chances de progredir, mas que ficavam estagnadas por falta de acesso a crédito. Yunnus decidiu, portanto, fazer uma experiência. Reuniu alunos e formou um fundo de investimentos, que emprestou US$ 27 a 42 pessoas. Ao comprovar que o nível de inadimplência era praticamente zero, conseguiu levantar outras doações de bancos privados e entidades internacionais para dar início às operações do Grameen. Hoje, a instituição possui uma carteira de 2,4 milhões de clientes e já disponibilizou crédito a 75% das famílias das classes mais baixas de Bangladesh, com taxa de inadimplência de 5%. Tem 22 subsidiárias e um patrimônio estimado em cerca de um US 1 bilhão. "Empregar pessoas pobres, especialmente as mulheres, por meio do acesso aos serviços financeiros, colabora para o aumento da renda, criação de patrimônio, geração de emprego por meio de produção própria e reduz a vulnerabilidade feminina diante das dificuldades", avalia Ocampo. Mesmo assim o problema central do microcrédito no mundo é que muitas pessoas pobres ainda não têm acesso aos serviços de financiamento. Embora o microcrédito e o microfinanciamento já tenham tido um impacto positivo no rendimento familiar e na qualidade de vida de milhões de pobres, muitos deles continuam a não ter acesso a serviços financeiros que poderiam elevar o seu nível de vida e protegê-los de reveses econômicos. A ONU avalia que bilhões de pessoas poderiam se beneficiar de serviços financeiros, embora, hoje em dia, apenas seja satisfeita uma ínfima fração dessa procura. "As pessoas pobres e de baixa renda são incapazes de obter financiamento que satisfaça suas necessidades porque não há instituições fortes o suficiente para promover esse financiamento", afirma Ocampo. Para reduzir esse abismo, o Ano Internacional do Microcrédito pretende defender não apenas ações governamentais, mas também do setor privado e de ONGs. "Parcerias inovadoras são a chave para a liberar o financiamento aos pobres. Além disso, será importante para criar uma rede para o financiamento."