Título: Nem comemoração, nem lavagem de roupa suja
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2007, Opinião, p. A14

O pito dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Partido dos Trabalhadores, no jantar em que o partido comemorava 27 anos de idade, tem grandes chances de ser ignorado. Alguns analistas atribuíram a Lula a estratégia maquiavélica de incentivar os lados que se polarizaram na disputa interna do partido para manter o controle sobre a legenda, tal como teria feito em seu primeiro mandato.

Essa interpretação dos fatos não leva em conta o passado. Lula não controlou o PT no primeiro mandato: a máquina partidária funcionou por si só e, no máximo, garantiu algum grau de fidelidade de seus parlamentares a assuntos de interesse do governo. Aliás, a máquina moveu-se com tal desenvoltura que atribui-se a ela, mais do que ao governo, a estratégia "pouco republicana" de cooptação de aliados de partidos fisiológicos (não se pode esquecer que, do que foi apurado até agora, o dinheiro de caixa dois escoou para o PT e seus aliados nas eleições municipais de 2004). Também no primeiro mandato, se já existia um distanciamento entre Lula e a legenda - atenuado pela presença de José Dirceu no ministério -, este aumentou nos dois últimos do governo, quando se acumularam escândalos envolvendo dirigentes petistas.

Lula nunca foi um estrategista ou conciliador de posições internas. Antes de chegar ao governo, esse papel foi totalmente desempenhado por José Dirceu. Não teria, portanto, características pessoais para "dividir" o PT para governar. Além disso, no momento de formação do ministério, se as facções petistas estiverem divididas, será muito mais difícil compor um gabinete que contente o partido como um todo e podem se reduzir o número de vagas destinadas à composição com os outros partidos que oficialmente aderiram à base governista. Da mesma forma, é difícil acreditar que Lula tenha estimulado o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) a disputar com Aldo Rebelo (PCdoB) o cargo de presidente da Câmara. Os ressentimentos dos pequenos partidos de esquerda com a ambição hegemônica do PT afloraram. Isso não convém a um governo que precisa negociar com um grande número de partidos, e tinha nesse bloco de esquerda fiéis aliados no primeiro mandato.

A reunião do Diretório Nacional que precedeu o jantar e o "pito" do presidente , na verdade, adotou um tom de conciliação interno - mas ele apenas posterga uma luta fratricida em julho, quando haverá uma nova eleição direta para a presidência do PT. Talvez, na realidade, o Diretório tenha obtido apenas duas concordâncias: a de que o atual presidente, Ricardo Berzoini, deve ter o mandato reduzido; e a convicção de que o Banco Central não é um bom parceiro para uma política de crescimento. As omissões sobre os destinos do partido são, na verdade, adiamento das discordâncias: o PT fará uma discussão efetiva sobre os escândalos que jogou sua credibilidade no chão? Investigará o comportamento ético dos envolvidos? Discutirá o imenso poder que foi atribuído à Executiva do partido, onde o Campo Majoritário é maioria há dez anos, e do qual não se exige nenhuma transparência?

A exclusão desse debate é uma amostra da talvez maior luta de poder interno que o PT já teve. Está em jogo o poder dos paulistas, por mais que a esquerda sediada em São Paulo rejeite essa análise - e a união paulista em torno de Chinaglia pode ser uma mostra viva de que a questão regional é, sim, um elemento importante da disputa. Está em jogo as posições que poderão dar destaque e fazer submergir um líder na disputa de 2010 à sucessão de Lula. Estão em jogo ministérios, cargos, posições na direção partidária e poder de influência no partido e no governo.

Esse jogo foge, em muito, à capacidade conciliadora de Lula. "Não me peçam que o governo entre na disputa ou na briga do PT", disse o presidente no que seria uma comemoração. Tem razão: é difícil imaginar a vantagem que ele e seu governo teriam com isso. Talvez o PT não peça isso de seu presidente, mas dificilmente vai seguir o seu conselho, que é de total bom senso: o PT deveria aprender a identificar inimigos, em vez de seus membros partirem para o confronto entre eles próprios.