Título: Resultado trouxe quadro de hiperfragmentação
Autor: Viana , Diego
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2012, Política, p. A26

Valor: Qual foi o impacto do mensalão nestas eleições? Alguns analistas observam que houve um redimensionamento do peso do julgamento da Ação Penal 470 na decisão do eleitor de votar nos candidatos do PT entre o primeiro e o segundo turnos.

Jairo Nicolau: O estrago que o mensalão fez no PT foi em 2006, quando Lula foi para o segundo turno e a bancada do partido foi afetada. Na eleição local, o que está em jogo é a melhor gestão da cidade. O tema do mensalão apareceu pouco no horário eleitoral em São Paulo. Se tivesse grande impacto, Haddad não teria o desempenho que já teve no primeiro turno, que também foi excepcional, quase 30% dos votos.

Valor: O PT perdeu em praças importantes, como Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, mas ganhou em São Paulo, por exemplo. Qual é o saldo político do partido e de Lula, que escolheu pessoalmente o nome de Haddad?

"PSB é uma força emergente mas para disputar eleição nacional precisa ter base consistente em São Paulo, Rio e Minas"

Nicolau: Todo o brilhantismo de Lula vai ser revelado pela vitória em São Paulo. Foi onde apostou e ousou mais. Certamente isso tira o sabor das derrotas que o partido teve. Mas não superestimo a vitória. O fato de ganhar em São Paulo não é algo extraordinário. Lula e Fernando Henrique já perderam eleições municipais quando eram presidentes. A vitória de Haddad é boa para o PT se organizar internamente e mostrar sua força política. Daqui a dois anos, o eleitor já se esqueceu disso. Nas eleições municipais de 2008, Alckmin chegou em terceiro lugar, mas foi eleito governador dois anos mais tarde. O eleitor faz um deslocamento, não é partidário integralmente.

Valor: O senhor já disse que, para o PSDB, seria mais grave enfrentar uma prefeitura petista forte do que a derrota de Serra em si, considerando 2014. Alckmin pode ficar ilhado, entre o governo federal e o municipal nas mãos dos petistas?

Nicolau: Claro, mas a derrota de Serra em São Paulo equacionou um problema interno: a candidatura de Aécio Neves para a Presidência, em 2014, que é aberta inclusive entre os serristas. O próprio Aécio se movimentou nas eleições e já disse que será candidato. Nas últimas duas eleições, Serra promovia um ruído enorme no partido. Foi um motivo de tensão dentro do PSDB, que não tinha um fórum democrático institucionalizado. O Serra pessoalmente saiu enfraquecido.

Valor: Mas como a derrota do PSDB pode influenciar em 2014?

Nicolau: O partido entra nas eleições com três grandes Estados [São Paulo, Minas e Paraná] nas mãos e um candidato natural à Presidência. No Rio, o PSDB tem de se reorganizar, pois teve desempenho pífio e onde é praticamente inexistente. Claro que ter Serra, uma de suas principais lideranças, derrotado, tem seu peso. Mas, mesmo sem uma joia da coroa como São Paulo, o PSDB teve bom desempenho em termos de votação nestas eleições.

Valor: Em que medida a polarização PT x PSDB, que se verifica em São Paulo, pode ser extrapolada para o restante do país?

Nicolau: Temos um descolamento da política local da nacional. Observamos outra marca da política brasileira: a hiperfragmentação. Não há partidos dominantes. Em São Luís (MA), quem ganhou foi o candidato do PTC. Você vai dizer que é o crescimento do PTC? Não. O sujeito poderia estar em qualquer partido, mas é carismático, conseguiu se conectar com o eleitor. A mesma coisa com o PPS, que ganhou em Vitória (ES). A polarização PT x PSDB, em São Paulo, é mero acaso. É tão aleatória quanto ter PT x PSB, como houve em alguns municípios.

Valor: O fato de o PTC ter ganho em São Luís e a hiperfragmentação partidária não causam problema para Dilma, considerando que ela terá que fazer alianças ainda maiores para atender às demandas dessas forças para governar?

Nicolau: Dos anos 90 para cá, a política adquiriu uma característica particular: a polarização presidencial e a hiperfragmentação na configuração do Congresso. Se olharmos nos municípios, vamos ver a hiperfragmentação também. O Haddad é vitorioso em São Paulo porque o eleitor viu em sua candidatura a opção para gerir a cidade.

Valor: O senhor não acha que o desempenho do PSB dá outras dimensões ao partido, agora também com vitórias importantes, como em Fortaleza e em Campinas?

Nicolau: Isso é inequívoco. O PSB é uma força emergente. Foi o único que cresceu em todas as eleições para a Câmara dos Deputados. Nestas eleições, houve um diferencial: a movimentação de uma liderança, o Eduardo Campos. Ele operou politicamente, visitou as cidades. Mas o PSB, como muitos partidos brasileiros, tem uma configuração de confederação de líderes regionais. É precoce estabelecer o sucesso do PSB antes que ele equacione a questão Rio-São Paulo. É difícil um partido disputar uma eleição nacional sem base consistente nesses Estados, incluindo Minas.

Valor: O senhor quer dizer que é difícil Campos disputar as eleições presidenciais já em 2014?

Nicolau: Estaria mais próximo de repetir o modelo de Ciro [Gomes], [Anthony] Garotinho, Marina Silva. Disputaria de 15% a 20% do eleitorado. Sem estrutura partidária mínima nesses Estados, é difícil romper essa polarização PT x PSDB.

Valor: O senhor acha possível que Campos venha ser candidato a vice na chapa de Aécio Neves?

Nicolau: Difícil. O PSB tem mais afinidade com o PT, terá veto interno para isso. Mas essa eleição já estabeleceu um distanciamento do PT, maior do que antes. O PSB já lançou candidatos próprios em outras eleições: Ciro Gomes, Garotinho. O partido está procurando um caminho próprio. (RB)