Título: PAC, crescimento e crimes ambientais
Autor: Oliveira, Marta Eliana de e Franco, Alberto Silva
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2007, Legislaçao & Tributos, p. E4

O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) proposto pelo governo federal para destravar a economia brasileira, traz à tona o modo como o Estado concebe o futuro do Brasil e, também, como lida com seus conflitos. Há uma tensão latente entre o desafio da sustentabilidade e o fomento dos investimentos vitais ao aumento da atividade econômica, como se essas duas posturas fossem antagônicas. Não necessariamente.

No Relatório Brundtland, de 1987, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU), o critério da sustentabilidade surgiu como argumento central para a formulação de políticas de desenvolvimento e consiste em responder às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responderem às suas. Se desprovida de sustentabilidade, a atividade econômica pode provocar o colapso do planeta e um prejuízo gigantesco. O inglês Nicholas Stern, chefe do serviço econômico de seu país, calcula em US$ 7 trilhões o impacto do aquecimento global na economia mundial, por exemplo.

Já não encontra respaldo a argumentação de que essa é uma retórica apocalíptica de ambientalistas fanáticos. O relatório recentemente divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta os seres humanos como os principais responsáveis pelo aquecimento global. É um relatório contundente. Um marco histórico, até mesmo pelo reconhecimento inédito por parte dos Estados Unidos de que suas conclusões devem ser consideradas.

Deste modo, não é concebível que o Brasil desponte na contramão da história e venha a promover uma aceleração do crescimento a qualquer custo. Porém, isso não implica em que esta seja vista com maus olhos, sobretudo se o crescimento for destinado a diminuir as brutais diferenças sociais que assolam o país. O PAC pode promover uma substancial correção dessa injustiça, com a promoção do saneamento ambiental, entre outras ações.

Não obstante, o PAC revela paradoxos e armadilhas. Sua principal medida na área ambiental é a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal, que trata da competência dos diversos níveis do poder público para a implementação das políticas públicas ambientais e para atuação na esfera administrativa.

O objetivo é tornar mais claras as atribuições do Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e dos órgãos ambientais estaduais e municipais no processo de licenciamento ambiental. De fato, essas atribuições vêm sendo definidas pela Resolução nº 237 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o que gera questionamentos judiciais. Pretende-se que a regulamentação reduza a quantidade de ações judiciais e tenha o efeito de dinamizar as obras propostas pelo PAC.

-------------------------------------------------------------------------------- O PAC pode criar a falsa expectativa de que é suficiente para deslocar as questões ambientais do rol de travas da economia --------------------------------------------------------------------------------

Todavia, o próprio secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, reconhece que o maior desafio é o de dotar os órgãos ambientais de infra-estrutura e recursos humanos, pois, na prática, apenas 230 municípios conseguem atender à demanda ambiental. Em contradição, integra o PAC o controle linear da despesa com pessoal e encargos sociais, independente da centralidade que recursos humanos têm nas ações de licenciamento, prevenção e fiscalização ambiental.

Ou seja, no campo criminal, a ausência do licenciamento ambiental, quando exigível, dada à sua potencialidade lesiva, é considerada crime ambiental. Os empreendedores, inclusive pessoas jurídicas, estão sujeitos à sanção penal quando deixam de obter a licença cabível. Vislumbra-se que, com a edição de regras mais claras quanto ao licenciamento, poder-se-á evitar que o empreendedor incida em crimes nessa área.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica decorre da dinâmica inerente ao mundo globalizado e da responsabilidade socioambiental das empresas. Os grandes crimes ambientais são praticados no exercício da atividade econômica. O direito penal clássico não dispõe de mecanismos para combatê-los. Imputando-se a responsabilidade apenas a pessoas físicas, os crimes ambientais findavam por recair sobre a pessoa do empregado, do executor das ordens do empregador. Restava, assim, impune, o ente que efetivamente se beneficiava com a degradação.

Em um avanço legislativo, o arcabouço de penas previsto para os crimes ambientais privilegia as medidas alternativas, não privativas de liberdade. Estas se restringem a casos extremos. Para as pessoas jurídicas, obviamente, são cominadas tão somente penas alternativas destinadas à reparação do dano, à compensação ambiental e à responsabilização social. No âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, por exemplo, foi criada uma central de medidas alternativas específicas para as infrações ambientais, com resultados extremamente positivos e muito mais eficientes. Aos infratores incumbe prestar serviços em unidades de conservação, doar equipamentos destinados à preservação ambiental, financiar projetos nas áreas de educação ambiental e participar de cursos de formação em meio ambiente e cidadania.

A definição das competências dos órgãos licenciadores pode tornar mais efetiva a responsabilização do agente público que deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental ou conceder licença em desacordo com a lei. Da mesma forma, pode dar garantias e salvaguardas indispensáveis aos investimentos públicos e privados almejados.

O PAC, ao manter latente a tensão entre sustentabilidade e crescimento, pode criar a falsa expectativa de que a regulamentação das competências é suficiente para deslocar as questões ambientais do rol de travas da economia. Sem um esforço no aumento da eficiência dos serviços de licenciamento e fiscalização, os que acreditarem no PAC e iniciarem os investimentos pretendidos continuarão sob o risco de serem enquadrados na Lei de Crimes Ambientais.

Marta Eliana de Oliveira e Alberto Silva Franco são, respectivamente, promotora de Justiça titular da 3ª Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e desembargador aposentado e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

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