Título: Governo acaba com "farra" do IR
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2005, Eu&, p. E1

A possibilidade de grandes empresas brasileiras deixarem de pagar imposto de renda (IR) por cinco anos, com custo zero, permitida por uma manobra legislativa do último dia do governo de Fernando Henrique Cardoso, chegou ao fim. A Medida Provisória nº 232, publicada em 30 de dezembro de 2004, revogou o artigo 36 da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002. A benesse que esse dispositivo trazia era tão magistral que advogados contam que não só demoraram a confirmar que o artigo permitia mesmo um planejamento fiscal tão eficiente como muitas empresas se recusavam a acreditar que não se tratava de um presente de grego e deixaram de usar a lei para pagar menos imposto. Com o artigo 36 da Lei nº 10.637, o governo permitia que as empresas que estivessem com seu capital desatualizado fizessem a correção sem pagar os tributos que decorreriam deste ganho de capital. O advogado Alessandro Amadeu da Fonseca, do escritório Mattos Filho, explica que esses tributos ficavam diferidos e só seriam cobrados no caso de venda da empresa. Então, se uma empresa de participações (empresa A), por exemplo, possuísse ações de uma empresa operacional (empresa B), bastava criar uma terceira empresa (empresa C) que recebia todo o capital da "empresa B" com um ágio. Era este ágio que atualizava o capital para o valor de mercado. Para isso, bastava um laudo contábil que provasse que o patrimônio da empresa estava defasado. Mas não era só isso. O artigo 36 permitia ainda que a "empresa C" incorporasse a "empresa B" e neste ponto da operação entrava o benefício da "dedutibilidade do ágio". O artigo 386 da lei do imposto de renda diz que a pessoa jurídica que incorpora outra pode amortizar o valor do ágio em 1/60 (um sessenta avos) do total para cada período de apuração, ou seja, pode deduzir o ágio de seu imposto de renda a pagar, mensalmente, por cinco anos. O advogado Eduardo Fleury conta um caso real de uma empresa que valorizou seu capital de R$ 800 milhões para R$ 8 bilhões. O desconto desse ágio de R$ 7,5 bilhões permitiu uma economia de R$ 200 milhões por ano em imposto de renda. Essa empresa hoje, apesar de lucrativa, não paga nada de IR. Não se sabe ao certo porque o governo Fernando Henrique introduziu esse artigo na legislação. Everardo Maciel, secretário da Receita Federal na época, foi procurado pelo Valor para falar sobre a revogação do artigo, mas disse que precisava entender melhor o que estava sendo revogado e, até o fechamento desta edição, não retornou a ligação. A sensação de "artigo sob encomenda" ficou em muitos tributaristas e advogados, mas há quem diga também que o benefício foi dado para que as empresas nacionais fizessem frente à concorrência das multinacionais. Fleury explica que as multinacionais que entraram no Brasil na época em que um dólar valia um real conseguiam valorizar capital com a desvalorização da moeda brasileira. Assim, patrimônios de R$ 100 milhões passavam a R$ 300 milhões e aí então estas empresas também podiam usar do benefício da incorporação e dedução do ágio sobre o IR. Os valores das multinacionais, entretanto, seriam menores, porque estas empresas não possuem capital tão expressivos em empresas locais. Roberto Haddad, da Branco Consultores, diz que muitas empresas optaram por fazer o aumento de capital não somente para pagar menos impostos, mas porque é interessante apresentar um patrimônio mais robusto para atrair possíveis investidores ou obter empréstimos mais facilmente. A lei não diz nada sobre as empresas que já fizeram o planejamento, segundo Haddad. O que dá a entender, de acordo com ele, que "quem fez, fez, quem não fez, não faz mais." Fonseca, do Mattos Filho, diz, entretanto, que como a medida entrou em vigor em 30 de dezembro, as empresas que estavam no meio do planejamento precisam correr para registrar a operação até o dia 29 de janeiro. Existe o prazo de um mês para que se registre os atos de uma empresa. Só assim o benefício pode ser mantido sem a necessidade de contestação.