Título: UE descarta negociação setorial na indústria
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2007, Brasil, p. A4

O comissário de Comércio da União Européia, o inglês Peter Mandelson, mandou um recado para a indústria brasileira. Os europeus não aceitarão que negociações setoriais - que reduziriam a zero as barreiras em alguns produtos - substituam um corte ambicioso e geral nas tarifas de importação nas negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC).

"Não terminaremos a negociação industrial sem uma oferta razoável do Brasil", disse Mandelson em entrevista ao Valor, por telefone, de seu escritório em Londres na última sexta-feira. Ele afirmou que não está preocupado com as conversas entre as indústrias brasileira e americana sobre acordos setoriais.

"Se há uma aliança, não estou sentindo a pressão", disse Mandelson, ao ser questionado se haveria um acordo entre Brasil e Estados Unidos para pressionar a União Européia a reduzir seus subsídios agrícolas. O comissário enfatizou que a UE está sinalizando mais flexibilidades que os demais parceiros.

Mandelson criticou indiretamente a representante comercial dos Estados Unidos, Susan Schwab, que em visita ao Brasil pediu para o país pressionar a Índia a avançar em Doha. "Não penso que é certo singularizar e colocar pressão em apenas um país", disse.

Ele também afirmou que os EUA precisam renovar a Trade Promotion Authority (TPA) - autorização do Congresso americano para que o Executivo negocie acordos comerciais - caso queiram evitar um desânimo generalizado com a Rodada Doha. Mandelson se comprometeu a concluir a negociação bilateral com o Mercosul, mas apenas depois do desfecho de Doha. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Qual é o caminho para sair do impasse na Rodada Doha?

Peter Mandelson: Nenhuma negociação isolada pode romper esse impasse. Temos que fazer isso juntos. Não estou esperando por movimentos unilaterais de nenhum país. Mas Estados Unidos, União Européia, Brasil e Índia ganharam dos demais membros da OMC um espaço para avançar nas negociações e encontrar consenso e convergência entre si. Isso é urgentemente necessário. Nós temos uma responsabilidade a cumprir para atingir essa meta.

Valor: O senhor acredita que existe uma aliança entre o Brasil e os Estados Unidos para pressionar a União Européia a reduzir suas tarifas agrícolas?

Mandelson: Se há uma aliança, não estou sentido a pressão. E não tenho conhecimento de um movimento estruturado. Acredito que o Brasil gostaria de maiores benefícios em acesso a mercados, mas também de uma oferta mais significativa dos Estados Unidos em subsídios agrícolas. Entre os dois, acredito que o segundo se tornou uma recompensa mais urgente.

Valor: As indústrias brasileira e americana estão em negociação para eleger alguns setores cujas tarifas poderiam ser reduzidas a zero na Rodada Doha. Qual é a opinião da União Européia sobre isso?

Mandelson: Estou relaxado sobre essas conversas. Um coisa é clara. Nós não iremos terminar a negociação em indústria sem uma oferta razoável do Brasil e dos outros membros do G-20. Para reduzir o atual nível das tarifas industriais, nenhum número de setores será suficiente para substituir uma boa negociação na fórmula de redução tarifária e o uso de flexibilidades pelo Brasil e outras economias emergentes.

Valor: A representante comercial dos Estados Unidos, Susan Schwab, pediu ao Brasil que pressionasse a Índia a avançar na Rodada Doha. A União Européia concorda?

Mandelson: Não penso que é certo singularizar e colocar pressão em apenas um país. O fato é que nós só nos moveremos se fizermos isso juntos, o que inclui Estados Unidos e Índia. A União Européia indicou quais seriam suas próximas flexibilidades e para onde ir em acesso aos mercados agrícolas. Outros países ainda precisam indicar suas flexibilidades para que seja possível convergir e encontrar um acordo juntos.

Valor: Qual é o papel do Brasil nessa negociação agora?

Mandelson: Como um membro do grupo G-4, para o qual o resto dos membros da OMC deu a responsabilidade de buscar convergência, o Brasil precisa ajudar os outros a se movimentar indicando para onde pode ir em tarifas industriais. Qualquer avanço requer um bom resultado em acesso a mercados agrícolas, subsídios, e acesso a mercados não-agrícolas. Esses são os três lados do triângulo. E nenhum deles deve ser menor do que os outros.

Valor: O senhor acredita que é vital para a Rodada Doha que os Estados Unidos renovem a Trade Promotion Authority (TPA)?

Mandelson: Se a TPA expirar sem ser renovada, não há sentido negociar. Sem a TPA, a negociação nunca será implementada pelo Congresso dos Estados Unidos. Todos precisam da TPA e ainda mais a representante comercial dos Estados Unidos, se ela (Susan Schwab) quiser continuar a negociação com seus parceiros. Se a TPA expirar, haverá um poderoso desinteresse dos outros parceiros de continuar negociando com os Estados Unidos.

Valor: Mas a administração do presidente dos EUA, George W. Bush, vai conseguir isso agora que perdeu o controle do Congresso para os democratas?

Mandelson: É possível atingir esse objetivo com suficiente investimento de autoridade e capital político. É essencial se quisermos atingir uma conclusão bem sucedida dessa negociação.

Valor: O senhor disse que a União Européia fez sua parte...

Mandelson: Ninguém ainda fez totalmente sua parte. Mas até esse ponto da negociação, a União Européia está indicando mais flexibilidade que os outros. Agora isso precisa ser alcançado.

Valor: O senhor está se referindo a redução das tarifas de importação agrícolas em 54%?

Mandelson: Não vou negociar em público pela imprensa. Nossos parceiros de negociação sabem o que podemos fazer e até onde estamos preparados para ir. Agora é tempo de os outros alcançarem nossa ambição.

Valor: Em encontro na semana passada, os países do G-33 (grupo de países em desenvolvimento que pedem proteção em agricultura) informaram que vão reduzir pela metade os indicadores que apontarão os produtos especiais agrícolas. Isso é suficiente?

Mandelson: Não é suficiente. Você tem uma camada de flexibilidade e proteção em cima da outra. Se significar nenhum acesso a mercado, será uma negativa do ponto central dessas negociações. Apesar de eu ser simpático a esses países que tem sensibilidades porque são menos competitivos em agricultura, nós precisamos saber como os produtos especiais serão tratados e quantos serão criados. A necessidade dessa clarificação é urgente.

Valor: O senhor vê alguma perspectiva para as negociações entre o Mercosul e a UE agora?

Mandelson: Essas negociações estão estagnadas enquanto esperamos o desfecho da Rodada. Estou comprometido a completar essa negociação bilateral e criar um acordo de livre comércio entre nós, mas primeiro temos que conseguir uma conclusão bem sucedida no âmbito multilateral.

Valor: Quando o presidente Bush visitou o Brasil, os dois países decidiram cooperar em biocombustíveis. A UE está interessada em uma cooperação semelhante?

Mandelson: Estou preparado para analisar isso. Mas sei que há algumas dificuldades para Brasil e Estados Unidos atingirem um acordo nessa área. Vou esperar pelo desfecho e por futuras discussões.