Título: Chávez avança na formação de sua máquina de poder
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Fonte: Valor Econômico, 27/03/2007, Opinião, p. A12

O projeto de socialismo do século XXI do presidente venezuelano Hugo Chávez avançou dois passos no fim de semana. O primeiro, com a formação do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), agremiação que monopolizará a representação política dos partidários incondicionais de Chávez, que avança na formação de instrumentos para uma ditadura personalista, e, no futuro, para o regime de partido único, de triste memória nos antigos países comunistas. O segundo foi o recrudescimento da reforma agrária, com a expropriação de 16 propriedades, com 330 mil hectares, consideradas improdutivas. Apesar de escaramuças freqüentes, o campo tinha até agora sido relativamente poupado das iniciativas "bolivarianas". Não mais.

A desmontagem do Movimento Quinta República, criado em 1997, e sua substituição por um partido único, visa dar disciplina e coesão a um até agora informal e até certo ponto diversificado conjunto de forças que sustentam o presidente. Houve surpresas no caminho, pois legendas políticas que eram "companheiras de viagem" se recusam a dissolver-se no caldeirão chavista do PSUV. Entre eles se encontram os stalinistas do Partido Comunista, o Partido pela Democracia Social (Podemos), a favor do que seria um socialismo democrático, e o Pátria Para Todos (PPT), corrente situada entre a esquerda e a centro-esquerda. Juntos, estes grupos arrebataram 1,7 milhão de votos, ante os 4,8 milhões do Movimento Quinta República. Das 167 cadeiras da Assembléia Nacional, detêm 34.

Chávez recebeu a relutância desses partidos com indisfarçada animosidade. Deixou claro que as forças chavistas marcharão unidas sem eles e, de quebra, prometeu remover do ministério os representantes dos partidos "rebeldes". Para os objetivos do presidente não é pouca coisa que está em jogo. O PSUV, que será dirigido por chavistas incondicionais, tomará a máquina do Estado e servirá de mecanismo de seleção dos quadros com acesso ao poder. Os partidos de esquerda nadaram na onda chavista, mas sem o apoio - e talvez com a hostilidade - de Chávez estarão no curto prazo em maus lençóis. Como os partidos tradicionais se enfraqueceram com suas políticas míopes e exclusivistas, e desistiram de concorrer ao Parlamento em 2005, as vozes no Congresso formarão cada vez mais um monótono coro de amém.

A radicalização da reforma agrária segue a lógica estatista do regime. As terras serão distribuídas aos camponeses, arregimentados e disciplinados por comandos chavistas, e se destinarão à produção de carne e leite - que faltam no país devido ao congelamento de preços determinado pelo governo. O dinheiro do petróleo subsidiará a produção, que dependerá em tudo do Estado. É apenas a extensão ao campo da estatização a galope, acelerada com a vitória de Chávez em dezembro. Nos últimos meses, o governo estatizou, com indenizações, a CANTV, do setor de telecomunicações, e empresas de petróleo.

Quando não estatizou empresas diretamente, Chávez injetou recursos para criar companhias que competem em vantagem com a iniciativa privada. Cooperativas e supermercados vendem produtos a preços mais baixos, siderúrgicas e companhias de aviação estatais surgiram do nada e até uma joint-venture para a fabricação de carros com o Irã foi apresentada como uma prova de vitalidade do regime. Os resultados dessas iniciativas apareceram. Os investimentos privados definharam, dando lugar aos menos eficientes do Estado.

A Venezuela acentuou a dependência crônica das importações que outros governos não tiveram interesse ou competência para romper. Sob Chávez, é um aumento grande e rápido dos gastos públicos que promove a festa dos bens importados. A conseqüência de consumo em alta e baixo investimento fez, como sempre, disparar a inflação - ela está acima de 18% em doze meses - e escassear a oferta.

Chávez conta com imenso apoio popular para suas ações, fruto também do inestimável serviço de elites irresponsáveis e políticos sem visão. Os rumos futuros de seu governo parecem claros. Apoiando-se em instituições democráticas, o presidente já avançou bastante para concentrar poderes, com o apoio do povo, em uma primeira fase. A segunda etapa será a da ditadura de um caudilho.