Título: De 2002, só restou Dilma
Autor: Bezerra, Luciana
Fonte: Correio Braziliense, 28/11/2010, Política, p. 6

Dos técnicos escolhidos para tratar com os tucanos há oito anos e que viraram ministros de Lula, só a presidente eleita não deixou o governo

No fim de outubro de 2002, um time de técnicos e especialistas foi reunido pelo PT e aliados para radiografar em detalhes o Brasil que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deixava para Lula. Faziam parte dele o então prefeito de Ribeirão Preto (SP), Antonio Palocci, o ex-deputado federal Luiz Gushiken, os professores José Graziano e Matilde Ribeiro, os economistas Sérgio Gabrielli e Dilma Rousseff , o médico Humberto Costa, entre outros. Terminada a missão, a maioria que integrou a equipe de transição de Lula seguiu para o Poder Executivo.

A trajetória de cada um deles tomou rumos diversos, e até surpreendentes, ao longo dos últimos oito anos. Entre os nomeados para cargos de ministro, somente a economista Dilma Rousseff, hoje presidente eleita, sobreviveu ao primeiro mandato de Lula e a boa parte do segundo. Ela começou à frente do Ministério de Minas e Energia, seguiu para a Casa Civil e, nela, ganhou a musculatura e a visibilidade para ser a candidata governista na eleição presidencial.

Os demais ficaram no meio do caminho por vários motivos, mas, em especial, por conta de escândalos. Um dos primeiros a deixar o governo foi o médico Humberto Costa. Coordenador da equipe de transição responsável por diagnosticar as políticas sociais, o pernambucano disse em seus relatórios ter encontrado um quadro preocupante na Saúde. Uma epidemia de dengue no Rio de Janeiro e a ameaça de reajuste no preço dos remédios eram alguns dos problemas. ¿Eram muitas as dificuldades na área social, na Saúde e na Previdência. Os hospitais universitários e filantrópicos estavam em crise¿, relembrou ele.

O desempenho de Costa à frente da equipe e os alinhamentos políticos o levaram para o Ministério da Saúde. ¿Tenho um histórico parlamentar e ganhei projeção graças a uma administração exitosa na Secretaria de Saúde do Recife (PE). Mas como eu estava na transição, esse fato pesou muito pela minha indicação. Muita gente que fez parte daquela equipe acabou indo para o governo¿, disse ele. A gestão dele, no entanto, durou pouco. Humberto deixou o ministério em 2005 para assumir a Secretaria de Comunicação do PT, mas com o objetivo de concorrer às eleições. A saída aconteceu em meio a denúncias de seu envolvimento no esquema de manipulação da compra de medicamentos, especialmente os de hemoderivados, pelo Ministério da Saúde. A fraude foi desbaratada em 2004 na ¿Operação Vampiro¿, da Polícia Federal. Segundo as investigações, a quadrilha atuava desde 1997 e deixou um prejuízo de R$ 120 milhões. Este ano, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região inocentou o ex-ministro da acusação e ele conseguiu se eleger para o Senado.

Em 2006, houve mais duas baixas entre os remanescentes da transição no governo. Pressionado pelo escândalo da quebra de sigilo bancário do jardineiro Francenildo Costa, o homem forte da transição e então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, deixou a pasta em março, mas manteve-se pelos quatro anos seguintes como forte articulador do governo Lula e da equipe da campanha de Dilma. Ele ressurgiu para os holofotes somente após a vitória da petista. Cotado para assumir a Casa Civil, ele continua arredio à imprensa.

Mais baixas Em novembro do mesmo ano, foi a vez do histórico petista Luiz Gushiken deixar o Planalto após um arrastado processo de desgaste. Número dois no time da transição, ele entrou no governo como o poderoso ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom-PR)e saiu deixando o crachá de assessor especial. O rebaixamento ocorreu por força das denúncias de seu envolvimento no mensalão, em 2005. Para proteger o governo e manter o aliado de primeira hora ao seu lado, Lula subordinou a Secom-PR às orientações da Secretaria-Geral da Presidência, comandada na época por Luiz Dulci, e removeu Gushiken para o Núcleo de Assuntos Estratégicos, no qual assumiu o cargo de assessor especial. Ao anunciar sua saída do governo, ele disse, por meio de uma nota oficial, que deveria perseguir novos desafios, já que havia cumprido um ciclo.

Dois anos depois, a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, encerrou sua participação no Poder Executivo. Uma das líderes do combate ao racismo, Matilde se credenciou na campanha de Lula e na equipe de transição como a interlocutora dos movimentos das minorias. Ela assumiu o cargo no começo de 2003 e deixou a pasta após ser pega usando indevidamente seu cartão corporativo. Em 2007, Matilde gastou mais de R$ 171 mil com o seu cartão, dos quais R$ 120 mil só com aluguel de veículos.

Trajetória

A equipe de transição foi dividida em cinco grupos de trabalho que teriam a responsabilidades de elaborar relatórios sobre os diversos projetos dos ministérios e órgãos da administração federal. Veja a trajetória de alguns dos principais integrantes desses grupos:

Equipe de Gestão e Governo Luiz Eduardo Soares ¿ Cientista político e antrópologo. Entre janeiro e outubro de 2003, foi Secretário Nacional de Segurança Pública

Equipe de Desenvolvimento Econômico Maurício Lemos ¿ Economista. Foi nomeado em 2003 para diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É responsável pelas áreas de Administração; Financeira; Operações Indiretas; e Secretaria de Gestão da Carteira Agrícola José Graziano ¿ Engenheiro agrônomo e professor de economia agrícola da Unicamp. Em 2003, assumiu o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, que foi extinto em 2004. Na sexta-feira, o governo federal lançou oficialmente a candidatura do ex-ministro para o cargo de diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

Equipe de Políticas Sociais Swedenberger Barbosa ¿ Dentista. Em 2003, foi nomeado secretário-executivo da Casa Civil. Dois anos depois, foi transferido para a função de assessor especial no Ministério da Previdência. Atualmente, é cotado para assumir cargo importante no secretariado de Agnelo Queiroz, eleito governador do Distrito Federal Francelino Grando ¿ Advogado. No início do governo Lula, assumiu a Secretaria de Política de Informática e Tecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia. Atualmente, está na Secretaria de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Márcio Meira ¿ Antropólogo. Foi nomeado secretário de Articulação Institucional do Ministério da Cultura. Hoje, é o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai)

Equipe de Empresas Públicas e Instituições Financeiras do Estado Sérgio Gabrielli ¿ Economista. Coordenador da equipe. De 2003 a 2005, foi diretor financeiro e de Relações com Investidores da Petrobras. Desde então, é o presidente da Petrobras Arno Augustin ¿ Economista. Entre 2003 e 2004, foi secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda. Hoje, está no comando do Tesouro Nacional

Equipe de Infraestrutura Tereza Campello ¿ Economista. É assessora especial da Casa Civil Antoninho Trevisan ¿ Empresário. Presidente da Trevisan Auditores e Consultores. É membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)

Ensaio antes da posse

Igor Silveira

Há exatamente quatro semanas, Dilma Rousseff votou pela manhã em Porto Alegre e pegou um avião rumo à capital federal para aguardar a apuração do segundo turno da corrida presidencial. Quando as primeiras urnas foram abertas, ela estava na casa do Lago Sul, monitorando voto a voto, enquanto militantes e políticos aliados a aguardavam em um hotel no centro de Brasília. Quase um mês antes, o PT havia preparado uma grande festa no ginásio Nilson Nelson para comemorar as vitórias da petista e de Agnelo Queiróz. As duas faturas não foram liquidadas no primeiro turno e a celebração precisou ser cancelada. A tensão em 30 de outubro, no entanto, começou a ser dissipada quando as primeiras pesquisas de boca de urna foram divulgadas.

Dilma teve quase um mês para ensaiar alguns passos como a futura presidente do Brasil. Durante esse tempo, ela anunciou prioridades, escolheu os ministros da área econômica e teve o primeiro estranhamento como o PMDB, partido do vice Michel Temer. Agora, ela tem pouco mais de um mês para aparar arestas e escalar o time definitivo para governar o país pelos próximos quatro anos.

Antes de voltar ao trabalho pesado do governo de transição, a presidente eleita foi, ontem, a Porto Alegre, onde deve fica até a noite de hoje para descansar, além de visitar a filha, Paula, e o neto, Gabriel, que nasceu em setembro.