Título: Operação pente-fino
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2007, EU & Investimentos, p. D1

A Petrobras afastou na sexta-feira um gerente da BR Distribuidora por suspeita de uso de informação privilegiada com ações do Grupo Ipiranga dias antes do anúncio da operação de venda para Ultrapar, Braskem e para a própria Petrobras. A estatal não confirma sequer o afastamento, que é de conhecimento dos subordinados desse funcionário no Rio, mas admite ter aberto uma sindicância para apurar os fatos. O que se sabe é que se trata de um funcionário da holding emprestado à subsidiária da estatal, com quase 40 anos de carreira, e que não é ligado a nenhum partido político.

Em nota, a Petrobras informa ter criado comissão interna para apurar fatos relativos à suposta ocorrência de "negociações com ações do Grupo Ipiranga com indícios de informação privilegiada por funcionário de nível de gerência de uma das empresas adquirentes...". Na semana passada, o presidente da estatal, Sérgio Gabrielli, disse que, se o "insider" envolvesse algum funcionário da empresa, a punição seria exemplar.

O gerente afastado é muito querido no meio empresarial. Alguns, inclusive, duvidam que tenha usado a informação para ganhar apenas o equivalente a quatro meses de salário. Estima-se que, com a comissão relativa ao cargo, ele ganhe cerca de R$ 30 mil por mês.

A pessoas próximas, ele teria dito que não deu a ordem de compra das ações. A corretora da qual é cliente teria uma procuração para tomar algumas decisões de investimento independente de autorização prévia. Pelo cargo que ocupa, ele não deveria ter acesso às negociações. Segundo o Valor apurou, esse funcionário já contratou advogados e foi aconselhado a não dar entrevistas. Ele teria inclusive recebido o apoio da presidente da BR, Maria das Graças Foster. Procurada, a executiva não retornou os pedidos de entrevista.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informou na sexta-feira que esse investidor comprou R$ 173,53 mil em ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Refinaria de Petróleo Ipiranga (RPI) nos dias 13 e 14 de março. Na mesma ocasião, se desfez de um lote de ações preferenciais (PN, sem voto) que havia sido comprado em fevereiro no mercado a termo, fora do pregão organizado da bolsa. Com essas operações, ele teria lucrado R$ 121,47 mil, ou cerca de 70% do capital investido, com a venda dos papéis no dia 19 de março, segunda-feira, após o anúncio da operação. Teria, porque a CVM e o Ministério Público bloquearam cerca de R$ 295 mil antes da liquidação financeira do negócio, que ocorre três dias depois.

No Rio, muitas fontes ouvidas pelo Valor admitem que ficaram sabendo que a Petrobras estaria negociando a compra da Ipiranga duas semanas antes da divulgação do negócio. Nesse caso, teria havido um "derrame" de informações, e não apenas um pequeno vazamento. Alguns amigos do acusado ponderam que um indício de "boa fé" é que ele, em nenhum momento, tentou ocultar o seu nome ao negociar as ações.

O procurador-regional da República em Pernambuco, Sady Torres Filho, do Ministério Público Federal, disse que não importa quem sabia da operação, mas sim quem fez uso dela para ganhar dinheiro. "Ter a informação, em si, não é um ilícito, mas o uso dessa informação em benefício próprio, sim", afirmou. "O que importa é o fechamento da operação, e não as negociações que o precederam", disse o procurador ao Valor.

Sady Torres Filho é um dos responsáveis pelo pedido de liminar para o bloqueio das contas dos suspeitos de operar no mercado com uso de informação privilegiada envolvendo ações de empresas do Grupo Ipiranga. Para ele, ao não se preocupar em esconder seu nome, o gerente e outros investidores que estão com contas bloqueadas estariam confiantes na impunidade porque nunca houve punição por "insider trading" no Brasil.

Além do "insider", a operação de compra do Grupo Ipiranga provocou também uma forte discussão sobre os direitos dos acionistas donos de papéis PN e a relação de troca com as empresas compradoras. Ontem, a Ultrapar comunicou ao mercado que fechou um contrato com a Dynamo, que dá à gestora o direito de compra das ações preferenciais hoje em poder dos controladores das companhias do Grupo Ipiranga. Segundo o comunicado, os fundos da Dynamo terão opção de compra sobre 455,08 mil ações da refinaria por R$ 38,93 cada uma. A gestora também terá o direito de comprar 637,22 mil ações da distribuidora ao preço de R$ 29,57 e 264,78 mil ações da Ipiranga Petróleo por R$ 20,55.

No total, o investimento dos fundos da gestora seria de cerca de R$ 42 milhões e a compra ocorreria somente quando a operação anunciada se concretizar. Mas há também uma contra-opção de venda, pela qual a Ultrapar se obriga a recomprar as ações caso a incorporação das ações do Grupo Ipiranga pela Ultrapar não ocorra em até um ano.

A Dynamo já teve muita proximidade com a Ultrapar no passado e participou da elaboração do estatuto da companhia, que resultou num dos primeiros casos de concessão de "tag along" para ações preferenciais no mercado local. Segundo fonte próxima do processo, isso não significa que a gestora esteja endossando a relação de troca proposta na incorporação. "Uma coisa é já ser acionista de Ipiranga e ser surpreendido por novas condições, outra coisa é entrar no jogo já sabendo as regras", disse. Ontem, as ações PN da Ipiranga Petróleo fecharam em alta de 2,66%.

(Colaborou Catherine Vieira)