Título: Repactuação poderia abrir porta para outros pedidos
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2012, Política, p. A12

O principal obstáculo para a repactuação da dívida da prefeitura de São Paulo com a União não é legal. O problema é que a renegociação muda as regras e abriria portas para pleitos semelhantes de municípios ou de Estados também endividados com a União.

"Seria uma caixa de Pandora", diz Isaías Coelho, pesquisador do núcleo de assuntos fiscais da Direito GV. Segundo ele, mudanças como o recálculo da dívida a um índice mais favorável para São Paulo ou uma elevação do teto de endividamento fatalmente fariam surgir pedidos semelhantes.

Ex-secretário de Finanças na gestão de Luiza Erundina na capital paulista, Amir Khair também acredita que uma renegociação daria origem a pressões de outros entes federados. Ele diz, porém, que o governo federal, apesar da repercussão de eventual renegociação sobre o resultado primário, pode ter interesse em usar o assunto como moeda de troca para aprovação de medida de seu interesse. Khair cita como exemplo a cobrança do ICMS no destino.

Do ponto de vista econômico, o ponto favorável para a prefeitura de São Paulo na negociação de dívidas é a atual taxa de juros. Em 2000, quando a União assumiu a dívida de vários Estados e municípios e estes passaram a ser devedores do governo federal, foi pactuado que as dívidas seriam atualizadas em IGP-DI mais 6%. Na época o titular da prefeitura da capital paulista era Celso Pitta.

A legislação vigente então, porém, estabelecia que ao menos 20% da dívida deveria ser paga em 30 meses. Caso contrário, os juros subiriam para IGP-DI mais 9%. O prazo esgotou-se em 2003, na gestão de Marta Suplicy (PT). Ela decidiu não pagar essa parcela da dívida, o que elevou automaticamente os juros devidos sobre a dívida. Em 2000, quando a União socorreu Estados e municípios, as condições eram generosas porque a taxa básica de juros era de 40%.

Hoje o Brasil tem juros muito menores, com Selic na mínima histórica de 7,25%. Ou seja, o serviço da dívida de São Paulo ficou muito caro. No acordo com o governo federal também ficou estipulado que o pagamento dos juros da dívida ficaria limitado a 13% da receita líquida real do município. O que agrava o caso de São Paulo é que a prefeitura já está nesse teto e, por isso, não tem conseguido reduzir o saldo devedor. Em 2011 o município pagou R$ 2,7 bilhões da dívida e mesmo assim o saldo devedor aumentou em R$ 4 bilhões.

Nesse cenário, Khair diz que a prefeitura de São Paulo poderia seguir o que fez Mato Grosso. O Estado foi o pioneiro ao fechar uma linha de crédito de US$ 479 milhões com o Bank of America Merrill Lynch (BofA) para saldar parte da dívida com a União. "O município de São Paulo teria facilidade para conseguir juros mais favoráveis que IGP-DI mais 9%."

Mesmo com o maior orçamento entre os municípios brasileiros, São Paulo fica com menos instrumentos para ampliar os investimentos por conta do endividamento com a União. A prefeitura está impedida de fazer novos financiamentos e não tem participado dos programas de ajuste fiscal com o governo federal porque está acima dos limites de endividamento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Atualmente a relação dívida/receita do município é de 1,9. A lei estabelece teto de 1,2 para prefeituras e dentro da trajetória de enquadramento até 2016 São Paulo deveria estar com índice de 1,4.