Título: Lula oferece ajuda para a Venezuela se modernizar
Autor: Totti, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2007, Brasil, p. A5

Se há divergências entre Brasil e Venezuela, elas não se manifestaram durante o almoço dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, ontem no Copacabana Palace, sede da reunião do Mercosul e da Comunidade das Nações da América do Sul (Casa). O almoço, a que Chávez chegou atrasado, durou duas horas, e, à saída, o presidente da Venezuela disse aos meios de imprensa de seu país ter recebido o apoio do Brasil à sua revolução bolivariana e socialista. Lula não deu declarações, mas diplomatas presentes ao almoço disseram que em nenhum momento o presidente brasileiro subscreveu o discurso de Chávez, especialmente a adjetivação que o acompanha.

Lula fez mais do que isso.

Ofereceu-se a ajudar a Venezuela naquilo de que ela mais precisa: industrializar-se, modernizar sua agricultura, diminuir a monodependência do petróleo. Lula colocou à disposição do presidente venezuelano todos os recursos humanos de que o governo brasileiro dispõe - do Sebrae à Embrapa, além da cooperação já existente de Petrobras e BNDES. O presidente Chávez, segundo o assessor diplomático de Lula, Marco Aurélio Garcia, recebeu o oferecimento de Lula com entusiasmo.

O maior problema social da Venezuela, assim definido por Chávez, e constatado por quem observar os morros que cercam Caracas, é o da moradia popular. O Brasil pode participar da solução do problema com sua avançada indústria da construção civil e o seu exército de fornecedores de esquadrias, tijolos, canos, pias, telhas, material elétrico e de encanamento.

Mobilizar os empresários brasileiros para a exportação de produtos e serviços, seria fácil, se de um lado há dinheiro - e a Venezuela tem reservas excedentes, segundo Chávez - e de outro, vontade de fazer negócios, seguir o caminho da indústria de construção pesada que tem bons lucros na Venezuela desde antes de Chávez e de Lula, embora a corrente comercial tenha alcançado significativos números depois de 2003.

A idéia, colocada ontem sobre a mesa de um almoço de que participaram apenas os presidentes e os diplomatas mais próximos, terá de ser aprofundada, estender-se aos escalões técnicos de ambos governos, e sobretudo, entusiasmar os empresários brasileiros. Ela pode progredir além da simples exportação e chegar à instalação de empresas brasileiras na Venezuela, com a formação de joint-ventures e outros tipos de associações.

Tudo isto estará na dependência do compromisso que Chávez tiver com o respeito a contratos e à iniciativa privada. Até agora não há sinais de má vontade do governo bolivariano e "socialista" com as empresas brasileiras. A Petrobras já está presente, com 40%, a participação que Chávez impõe como teto, em quatro empresas mistas que explora, com a PDVSA, o petróleo da bacia do Orinoco, e a Odebrecht constrói metrôs e pontes na Venezuela (um de seus diretores avistou-se com Chávez, ontem, no gabinete que este instalou do vigésimo oitavo ao trigésimo andar do Hotel Othon, em frente à praia de Copacabana).

Como faz Cuba de Fidel Castro ao enviar médicos para ajudar Chávez na assistência à população pobre venezuelana - e recebe petróleo em troca -, o Brasil, pelos planos de Lula, encontrará na produção de "viviendas" populares na Venezuela um caminho lucrativo para empresas brasileiras. Os discursos de Chávez contra a "burguesia", incluída muito recentemente na sua ampla coleção de categorias satanizadas, ao lado de oligarcas e capitalistas, poderão excluir os brasileiros se o resultado for o pagamento de promessas de moradia decente para os eleitores.

Tratores, colheitadeiras e outros equipamentos da produção metalmecânica brasileira, associada à tecnologia da Embrapa, terão também um amplo mercado na Venezuela, se Chávez continuar entusiasmado pela cooperação oferecida por Lula - uma cooperação concreta, substantiva, como a descreveu um diplomata.

Quanto à garantia dos contratos, depende da habilidade de nossa diplomacia e da vontade de Chávez. E este demonstra que, interessado, transforma a vontade em lei.