Título: Muitos desafios no novo governo
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 28/11/2010, Economia, p. 20

Time econômico de Dilma Rousseff vai ter de encarar cenário adverso, que inclui desajuste fiscal, inflação em alta e real supervalorizado

Os nomes da equipe econômica de Dilma Rousseff foram anunciados na semana passada, mas os desafios que Guido Mantega (Fazenda), Alexandre Tombini (Banco Central) e Miriam Belchior (Planejamento) enfrentarão a partir de janeiro são conhecidos há mais tempo. Em grande medida, são consequência de iniciativas tomadas para pavimentar o caminho da primeira mulher ao Palácio do Planalto. Mantega mudou o discurso logo após ser confirmado e admitiu: o governo está com a faca no pescoço e tem no colo uma bomba-relógio formada por gastos elevados, inflação em escalada, promessas de muitos investimentos e real supervalorizado. Para completar o cenário adverso, a conjuntura internacional será menos favorável do que na gestão Lula.

A tarefa que cabe a Mantega inclui desmanchar o nó que ele mesmo ajudou a atar. Depois dos estímulos dados à economia ¿ alguns temporários, como a isenção de impostos, e outros permanentes, como o aumento da folha de pagamento do funcionalismo ¿, ele terá que administrar a batalha no Congresso para evitar a aprovação de mais despesas. Entre elas, a criação de um piso salarial para bombeiros, policiais civis e militares, o aumento de 56% nos vencimentos do Judiciário e o reajuste do salário mínimo acima dos R$ 540 previstos na proposta orçamentária.

Além disso, deve cortar ao menos R$ 45 bilhões em gastos correntes para cumprir a meta de superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) e, dessa forma, restabelecer a confiança do mercado financeiro na austeridade fiscal. ¿Não há dúvida de que ele vai ter de pisar no freio para atingir o saldo positivo de 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB) com que se comprometeu. Há a expectativa de mais receitas, mas o cobertor será mais curto e o esforço terá que ser maior no controle das despesas¿, analisa o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa.

Do sucesso de Mantega dependerá a execução eficaz do plano de investimentos, que ficará nas mãos de Miriam Belchior, atual gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com o Orçamento sufocado e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ¿ principal fonte de financiamentos para os projetos de infraestrutura ¿ operando próximo de sua capacidade, a ministra vai ter que contar com a iniciativa privada, hoje pouco disposta a investir em obras públicas. O difícil acesso ao crédito é citado pelas empresas do setor como um dos principais entraves do segmento.

¿Essa ainda não é a questão mais imediata, que fica por conta da falta de mão de obra, mas já está entre os seis gargalos frequentes¿, comenta Danilo Garcia, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao analisar pesquisa da instituição sobre o mercado da construção civil. A explicação para a falta de interesse dos bancos privados em financiar esses projetos, geralmente de longo prazo e baixo retorno, está nos juros altos do mercado financeiro. Eles favorecem as aplicações em renda fixa de curto prazo. A presidente eleita já afirmou que quer reduzir a taxa básica de juros (Selic) reais dos atuais 5% para 2%. Essa será uma das principais atribuições de Tombini.

Preocupação O técnico de carreira assumirá a Presidência do Banco Central (BC) com inflação próxima do teto da meta, conforme sugere o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que registra avanço de 5,20% nos últimos 12 meses. Segundo parte dos analistas, Tombini terá que elevar a Selic logo no início de sua gestão para não deixar o IPCA fugir muito do centro da meta oficial, que é de 4,5%. ¿O indicador de difusão (que mede o número de produtos cujos preços subiram), sem considerar os alimentos, passou de 62,6% para 63% dos itens pesquisados. A sinalização está piorando e mostra que o avanço de preços está se disseminando. Daí, a preocupação¿, detalha Laura Haralyi, economista do Banco Itaú BBA.

Apesar de o BC ter como função única controlar a inflação e proteger o poder de compra da moeda brasileira, a determinação de Dilma para que o órgão trabalhe mais afinado com a Fazenda evidencia que Tombini não pode ser um empecilho ao crescimento econômico, acusação comum a quem adota políticas muito conservadoras. Também indica que a autoridade monetária deve contribuir mais com o combate à supervalorização do real. Os mesmos juros altos que atraem os investidores domésticos para as aplicações rápidas trazem os estrangeiros, que buscam uma das maiores rentabilidade em todo o mundo.

EMERGÊNCIA A entrada maciça de dólares fortalece o real, prejudicando as exportações e as contas externas. A cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 6% na entrada de capial estrangeiro em renda fixa foi considerada bem-sucedida, mas precisa ser revisada, segundo o superintendente-executivo de Gestão de Renda Fixa do Santander, Eduardo Castro. ¿Foi uma medida de emergência, mas é natural que o novo governo avalie se sua manutenção é o mais adequado a fazer¿, acredita.