Título: Valério só pode ser delator em nova ação
Autor: Prestes, Cristine ; Camarotto, Murillo
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2012, Política, p. A10

A possibilidade de que o empresário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza, apontado como o operador do mensalão, se beneficie de um eventual acordo de delação premiada para reduzir a pena de 40 anos, 1 mês e 6 dias de reclusão imposta a ele pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é nula. Esse é o entendimento tanto de advogados que atuam na Ação Penal nº 470 quanto de juristas que acompanham o processo.

De acordo com os criminalistas, um acordo de delação premiada somente poderia ter sido feito durante a fase de instrução criminal - que se estendeu de 27 de agosto de 2007, quando a Corte recebeu a denúncia do Ministério Público Federal e abriu o processo criminal contra 40 acusados de integrarem um esquema de desvio de dinheiro público e compra de votos de parlamentares, até 8 de junho de 2011. É neste período que o co-réu de um processo, ao colaborar espontaneamente com as autoridades prestando informações que levem à apuração e à autoria de infrações penais e à localização do produto do crime, pode conseguir reduzir de um terço a dois terços a pena a ser aplicada a ele.

Os advogados são enfáticos ao afirmar que, após a condenação e até mesmo a definição das penas impostas a um réu, não há mais como realizar um acordo de delação - ao menos no mesmo processo. "Neste momento um acordo desse tipo seria, no mínimo, um pouco estranho", diz Renato de Mello Jorge Silveira, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). "Não há nenhuma possibilidade de isso ocorrer", diz o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que fez a defesa da ré Ayanna Tenório, ex-diretora do Banco Rural absolvida no processo do mensalão. "Seria mais uma anomalia."

Segundo Mariz, a delação tem o objetivo de ajudar a trazer ao processo a verdade dos fatos. "Mas a verdade já está posta no processo com as condenações", diz. De acordo com Renato Silveira, uma delação premiada poderá vir a ocorrer em outros processos nos quais Marcos Valério é réu e que ainda estão em fase inicial de tramitação. Como no inquérito que tramita no próprio STF e que investiga um convênio do banco BMG com o INSS para o oferecimento de crédito consignado a aposentados. O procedimento, que corre em segredo de Justiça, é um desdobramento da denúncia do mensalão e identificaria novos sacadores das contas das empresas de Valério.

Marcos Valério foi condenado por corrupção ativa, peculato, evasão de divisas e lavagem de dinheiro por unanimidade de votos no Supremo, além de ter sido condenado pelo crime de formação de quadrilha por 6 votos a 4. Após a condenação do empresário surgiram rumores de que ele estaria disposto a contar novos fatos em troca de uma redução da pena. A revista "Veja" desta semana trouxe reportagem que afirma que Valério declarou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que o PT lhe pediu dinheiro para silenciar pessoas ligadas ao assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em 2002. Segundo a revista, em 2003 o ex-presidente Lula e o ministro Gilberto Carvalho, então chefe de gabinete de Lula, estariam sendo chantageados por suspeitos de ter participação no crime. Nem Valério nem seu advogado, Marcelo Leonardo, confirmam a informação.

Ontem o ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, classificou de "desespero" as supostas revelações de Marcos Valério à PGR, que teriam sido feitas em setembro, após o início do julgamento. "Vocês devem imaginar [o que Marcos Valério está tentando]. Tenho até que respeitar o desespero dessa pessoa", disse Carvalho, que negou qualquer encontro ou contato entre ele, Lula e Valério.

Ontem, no Recife, o presidente do STF, Ayres Britto, admitiu a possibilidade de que a pena imposta a Valério seja atenuada, o que seria "viável no campo das possibilidades". "É uma questão técnica. Teoricamente, tudo é possível quando do ajuste final do que nós chamamos de dosimetria", disse. Britto, no entanto, descartou que uma eventual redução da pena tenha relação com uma delação premiada. "Não tem nada a ver com o que ele falou. Isso [a possibilidade de redução da pena] é com base no que já se encontra nos autos."