Título: EUA vão às urnas mais polarizados do que nunca
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2012, Empresas, p. B9

Os americanos vão às urnas hoje para decidir se reelegem o presidente Barack Obama ou colocam no seu lugar o republicano Mitt Romney, numa acirrada disputa que expõe o alto grau de polarização política dos Estados Unidos. Obama ainda é o favorito, com um caminho aparentemente mais fácil, segundo as pesquisas, para conseguir a maioria no Colégio Eleitoral, mas Rom-ney também tem boas chances.

O resultado tende a ser apertado em muitos Estados, abrindo brechas para pedidos de recontagem de votos e questionamentos sobre a lisura das eleições. Há o risco de o vencedor no voto popular ser derrotado no Colégio Eleitoral, que de fato escolhe o presidente. O novo governo, não importa o eleito, irá conviver com um Congresso dividido.

Obama tem 48,5% das intenções de voto, contra 48,1% de Romney, segundo média das últimas pesquisas calculada pelo site Real Clear Politics (leia na página ao lado sobre as pesquisas mais recentes). No colégio eleitoral, Obama sai na frente, com cerca de 243 votos quase garantidos dos 270 necessários para a vitória, contra 206 de Romney, segundo projeção do jornal "The New York Times". A eleição será definida por onze Estados com votação apertada, entre os quais Ohio deve ser o mais importante.

Em 2008, Obama foi eleito com a promessa de reconciliar o país, cuja divisão ideológica havia se acirrado muito durante os dois governos do presidente republicano George W. Bush. De lá para cá, a polarização se tornou ainda mais aguda, com eleitores democratas e republicanos defendendo posições ainda mais divergentes em temas como o papel do Estado na economia, imigração, aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo.

"Ninguém conseguiria unir o país, essa é uma missão impossível", afirma o historiador Allan Lichtman, professor emérito do Departamento de História da American University. "Um presidente sozinho não é capaz de superar as divisões políticas."

Para ele, a política está mais dividida do que o povo americano, que é majoritariamente de centro. O sistema de voto distrital, que agrupa grandes contingentes de eleitores conservadores e liberais, empurrou os partidos para os extremos. Os republicanos formam um partido essencialmente de direita, afirma Lichtman, e os democratas, ainda que mais diversificados, seguem como um partido principalmente de esquerda.

Na última década, subiu de 30% para 38% o percentual do eleitorado americano que se declara independente, segundo uma pesquisa recente da Pew Research Center. Os republicanos encolheram de 30% para 24%, enquanto os democratas oscilaram de 33% para 32%. Enquanto isso, aumentou a diferença entre a visão dos democratas e dos republicanos sobre o que é melhor para o país.

Os republicanos se tornaram mais conservadores sobre o papel do Estado na economia. Em 1987, quando o país era governado por Ronald Reagan, 79% deles achavam que o governo deve apoiar quem precisa de ajuda, contra 40% agora. Caiu de 86% para 47% o percentual de republicanos que acham que o governo deve criar regulações para proteger o meio ambiente.

Os democratas, por outro lado, se tornaram mais liberais em temas religiosos e de comportamento. Caiu de 88% para 77%, entre 1987 e 2012, o número de democratas que afirma que nunca duvidou da existência de Deus, enquanto que, entre os republicanos, permaneceu em 92%. Também recuou de 86% para 60% o percentual de democratas que diz ter valores antigos sobre casamento e família.

A radicalização levou ao surgimento, dentro do Partido Republicano, do movimento ultraconservador Tea Party, que em 2010 elegeu uma bancada de 60 deputados federais. Uma das estrelas do grupo, a deputada Michelle Bachmann, enfrenta uma reeleição apertada, apesar de ter gasto 12 vezes mais do que seu oponente na campanha. Mas as pesquisas de intenção de voto mostram um cenário favorável para a reeleição da maior parte dos deputados do Tea Party.

O movimento extremista, porém, cria dificuldades para os republicanos em eleições majoritárias, para o Senado e Presidência.

Em Indiana, um político apoiado pelo Tea Party, Richard Mourdoch, venceu as prévias partidárias que definiram o candidato republicano ao Senado no Estado, derrotando um antigo cacique do partido, o moderado Richard Lugar. As opiniões extremas de Mourdoch contra aborto até em caso de estupro, no entanto, devem garantir a vitória ao democrata Joe Donnelly. Lugar possivelmente teria mais chances de manter a cadeira para o Partido Republicano.

Romney, um centrista moderado, foi empurrado para posições mais radicais durante as eleições prévias do partido. Ele defendeu a deportação automática de imigrantes ilegais, minando o já fraco apoio dos eleitores latinos ao partido, e teve que renegar a reforma do sistema de saúde que fez quando governador de Massachusetts, as suas posições mais liberais sobre aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e o imposto sobre o carbono.

Na reta final da corrida eleitoral, Romney reorientou sua campanha para o centro, numa investida para ganhar votos entre eleitores independentes. "Romney vinha batendo na tecla da economia nos últimos dias para atrair os independentes", afirma Clifford Young, diretor-executivo da Ipsos Public Affairs, uma empresa de pesquisa de opinião.

Nenhum resultado das urnas deve acabar com o clima de divisão política. "Se Romney for eleito, será um placar apertado, cheio de denúncias de restrições ao direito de voto", afirma Lichtman, da American University. "Ele terá que trabalhar no Congresso com um Partido Reublicano bem à direita." Vários Estados aprovaram leis que exigem identidade dos eleitores, e na Flórida havia nos últimos dias longas filas nos locais de votação antecipada onde há grandes concentração de eleitores democratas.

Outra face da radicalização política foi o movimento de esquerda Ocupem Wall Street, que acampou em praças públicas em várias cidades americanas para denunciar o aumento da concentração de renda nas últimas décadas nas mãos dos 1% mais ricos da população.

Ao contrário do Tea Party, porém, sua organização não foi forte o suficiente para eleger a própria bancada. Obama, porém, aproveitou a onda para pintar Romney, um ex-executivo do mercado financeiro, como um milionário que não entende os problemas da classe média e vai defender os interesses dos mais ricos.