Título: Coalizão de Lula corre riscos, diz aliado
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2007, Política, p. A12

Durou pouco, entre os partidos aliados, o espírito de coalizão idealizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há pouco menos de três semanas do novo mandato, o presidente vê a bancada governista fragmentar-se por causa da disputa para a presidência da Câmara. O sonho de um grupo unido em torno de Lula está adiado e corre o risco de não se materializar.

PT e PMDB apresentam-se como aliados preferenciais. O partido do presidente, para ganhar a disputa na Câmara, reeditou aliança com as siglas envolvidas no escândalo do mensalão - PTB, PP e PL -, prometendo-lhes cargos no governo. Além disso, já se iniciaram negociações para, a exemplo do que aconteceu no primeiro mandato de Lula, "desidratar" os partidos da oposição, estimulando deputados a mudarem de legenda em benefício das siglas de aluguel da base governista. A fragmentação já é um risco real. PSB e PCdoB, aliados históricos do presidente, se consideram alijados e, por isso, planejam, como antecipou o Valor, formar um bloco parlamentar com PDT, PV e outras siglas para contrapor-se ao grupo majoritário dentro da coalizão.

Aparentemente, Lula não gostou dos movimentos do PT. Tanto que mandou, no início da semana, a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, conversar com o candidato do PCdoB à presidência da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Dilma garantiu que o Planalto não avalizava o vale-tudo. Mas aliados do governo reconhecem que a demora do presidente em definir o ministério e a sua desistência de ter um candidato único para a presidência da Câmara criou brechas para a guerra travada no Congresso. "O presidente Lula foi atropelado", diz o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (RS).

A crítica mais pesada, contudo, recai sobre os ombros do PT. A legenda é acusada de tentar impor suas vontades aos aliados. Para isso, estariam dispostos a fazer acordos sobre cargos em estatais e ministérios, num esforço para sobrepor-se ao chamado "lulismo" - o fenômeno político que reelegeu o presidente e que, na prática, lhe permite se distanciar do PT. "Quando as coisas começam mal, tendem a terminar mal", alertou um aliado de Aldo.

O jogo político transformou-se numa acirrada briga por espaço. A aliança entre PT e PMDB, os dois maiores partidos na Câmara, para eleger o candidato petista à presidência da Casa, Arlindo Chinaglia, deixou claro que as duas siglas querem ser majoritárias no segundo mandato de Lula. "Coalizão deveria ser uma questão de lealdade, não de aritmética. Mas, se eles pensam assim, tudo bem, vamos jogar do mesmo jeito", ameaçou Beto Albuquerque. Se a coalizão entre PSB, PCdoB, PDT, PV, PMN e outras legendas vingar, o grupo poderá ter 84 parlamentares, um a mais que o PT. "A gente pode mudar o eixo do núcleo da coalizão", aposta o senador eleito Renato Casagrande (PSB-ES). "Para participar da coalizão, queremos estar nos papéis principais, não nos secundários."

O presidente do PCdoB, Renato Rabelo (SP), lembra que a relação com o PT sempre foi complicada. Disse que esse peso não se refletia tão claramente antes porque o PCdoB sempre atuou mais no campo legislativo. As desavenças ficaram mais explícitas a partir de 2004, quando os comunistas lançaram-se nas disputas majoritárias. Em Fortaleza, a direção nacional do PT recomendou apoio ao comunista Inácio Arruda para a prefeitura, mas a base petista bancou Luizianne Lins (PT), que acabou sendo eleita. Em 2006, o PCdoB pediu que Arlete Sampaio (PT) cedesse a Agnelo Queiroz (PCdoB) o direito de concorrer ao governo do Distrito Federal. Agnelo teve que disputar o Senado, onde perdeu, e Arlete ficou em terceiro lugar.

Para que a coalizão seja uma realidade e não apenas um instrumento do projeto de poder do PT, o governo, defende Casagrande, terá que escolher um coordenador político imparcial. Ele toma o cuidado de não responsabilizar apenas o atual responsável por essa área, Tarso Genro, mas aliados de Aldo vêm explicitando constantemente insatisfação com o ministro, que teria privilegiado a candidatura de Arlindo Chinaglia. "Não adianta apenas termos um coordenador isento. Tem que ser um nome forte, que possa dialogar e ter condições de unificar novamente os aliados", disse Casagrande.

Um dos principais coordenadores da campanha de Chinaglia, o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) acha que as reclamações são "choradeira" de perdedores. "Em eleição, quem ganha, comemora; quem perde, denuncia. É do jogo", afirmou ele. Geddel acredita que os acordos firmados até o momento são eleitorais, visando à presidência da Câmara. E aposta que as rusgas estarão enterradas a partir do dia 2 de fevereiro. "Eu não consigo ver, depois da eleição, PCdoB e PSB andando na rua de mãos dadas com o PFL, que apóia Aldo, por exemplo", ironizou.

Geddel aproveita para provocar comunistas e socialistas. Lembra que, em 2005, o PMDB apresentou Michel Temer (SP) como candidato à vaga aberta por Severino Cavalcanti (PP-PE), mas, na época, PT e PCdoB fecharam acordo para eleger Aldo Rebelo. "Ninguém falava que tinha promessa para cargos, ministérios. É engraçado isso. Quando a maré está a favor deles, tudo bem. Quando vira, é jogo rasteiro?", indaga. Geddel também classificou como ciúmes as queixas de PSB e PCdoB. "PT e PMDB são as duas maiores bancadas. Política também se faz por maioria numérica", disse ele. "Eles querem juntar cinco legendas e, ainda assim, ficam atrás do PMDB".