Título: Força alternativa
Autor: França , Martha San Juan
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2012, Especial, p. F1
Não é novidade que em matéria de fontes renováveis de energia o Brasil tem uma posição privilegiada em relação às grandes economias do mundo. Em 2011, a participação das renováveis, como hidráulica, eólica e biomassa na matriz energética chegou a 44,1%, enquanto a média mundial foi de 13,3% (8% entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Se essa participação já chama a atenção, nos próximos anos deverá aumentar. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), estudo produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a tendência é o crescimento da participação das renováveis na matriz energética para 46,3% até 2020.
No total, a capacidade instalada no Sistema Interligado Nacional deverá evoluir dos cerca de 110 mil MW em dezembro de 2010 para 171 mil MW em dezembro de 2020. Mas, para que esse cenário se confirme, é preciso vencer alguns desafios, entre eles o investimento em várias fontes, permitindo que cada uma consiga espaço na matriz de forma equilibrada. Segundo o cálculo do governo, espera-se que biomassa, eólicas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) tenham suas capacidades aumentadas. Esse conjunto de fontes alternativas, que em 2009 respondiam por 7,4% da potência instalada, teria que aumentar sua participação para 13% em 2014 e 16% em 2020.
Estudo feito pelo WWF-Brasil e divulgado no ano passado mostra que esse percentual poderia ser bem maior. A combinação de recursos naturais favoráveis, como grande quantidade de rios, vento, insolação e solos apropriados para o cultivo da cana mostra que, potencialmente, o país tem capacidade para aumentar em, pelo menos, 40% a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis alternativas, sobretudo se investir na geração de energia eólica, biomassa e nas PCHs. "O governo se esforça para diversificar a nossa matriz, mas ainda está muito voltado para tecnologias convencionais, como as hidrelétricas", afirma Gilberto de Martino Jannuzzi, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do International Energy Initiative para a América Latina, que supervisionou o estudo.
Jannuzzi argumenta que o país não pode perder a chance de aumentar a participação das novas tecnologias associadas às renováveis na sua matriz. "Para o resto do mundo, renovável não é mais alternativa, é oportunidade de negócio, responsável por uma indústria emergente que vai tornar essas fontes mais baratas e muito mais eficientes", diz.
Ele lembra que o setor elétrico está no limiar de uma revolução tecnológica. "Em um futuro próximo, a descentralização de geração permitirá o uso de diversas tecnologias em escala reduzida, que operam com solar fotovoltáica, biomassa ou mesmo gás natural em pequenas unidades, constituindo uma alternativa atraente de atendimento das necessidades energéticas a custos competitivos e com níveis adequados de segurança e confiabilidade", afirma.
No caso das hidrelétricas, o PDE 2020 estima que a sua participação deva cair de 75% em 2010 para 67% em 2020, mas em números absolutos a capacidade instalada vai aumentar de 85 GW para mais de 115 GW. Para o governo, não há outra forma de obter, na próxima década, mais 61 mil MW de eletricidade, o equivalente a quatro Itaipus, necessários para atender a demanda por luz elétrica de uma população crescente e mais consumidora de energia. O outro caminho seria o uso de fontes de origem térmica, muito mais caras e altamente poluentes.
Na opinião de Jacuzzi, no entanto, e da maior parte dos ambientalistas, o investimento em grandes hidrelétricas é um caminho que deveria ser reconsiderado. "Em alguns países, as hidrelétricas não são mais nem chamadas de renováveis", afirma o pesquisador, referindo-se aos impactos ambientais. "As hidrelétricas foram e continuam sendo importantes, mas vejo crescentes dificuldades na opção de continuar a expandir o seu uso, principalmente com a construção de novas usinas na região amazônica", afirma, referindo-se aos problemas envolvendo as obras de Santo Antonio e Jirau, ambas no rio Madeira; e Belo Monte, no rio Xingu, que se estende às usinas previstas no rio Teles Pires e no Tapajós.
"A energia gerada pelas hidrelétricas no país tem um dos mais baixos custos de produção, de menos de R$ 80 por MW/h", contrapõe Nivalde José de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia (Gesel), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Qualquer país com o potencial do Brasil com um parque industrial e conhecimento tecnológico e de engenharia de construção ímpar no mundo, daria prioridade à energia hidrelétrica." Mesmo assim, ele diz, o planejamento deve ter um caráter integrado, de forma a garantir a segurança do suprimento energético com preços competitivos e menos impactos ambientais de produção e consumo de energia.
A segurança, no caso, implica o reconhecimento dos atrasos nos licenciamentos ambientais e dos riscos associados à construção de usinas usando a tecnologia "a fio d"água" que, por aproveitarem a vazão do rio, dispensam a existência de grandes reservatórios. Reduzindo-se a área alagada, diminui-se a energia armazenada, uma vez que no período de chuvas esses grandes lagos acumulam água para geração posterior.
Como resultado, estima-se que nos próximos dez anos a capacidade instalada hídrica será expandida em 39% enquanto a capacidade de armazenamento aumentará somente 6%. "Significa que será necessário complementar a geração de energia no período seco durante vários meses com outras fontes", analisa Castro.