Título: Analistas temem que PAC possa constranger autonomia do BC
Autor: Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2007, Finanças, p. C1

A primeira reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central acontece na próxima quarta-feira, dois dias depois do anúncio oficial do conjunto de medidas pró-desenvolvimento conhecido como Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Adiado seis vezes, o PAC pode constranger o exercício da autonomia operacional do Copom e impedir que concretize a sua intenção - explícita no placar adverso da última reunião de 2006 e no texto da ata - de reduzir o ritmo de queda da taxa Selic, do corte de 0,50 ponto praticado nas últimas cinco reuniões para 0,25 ponto. Desde julho do ano passado, as atas do Copom vêm sinalizando a intenção de, em algum momento do futuro, pautar as decisões de política monetária por uma "maior parcimônia".

O mercado futuro de juros da BM&F acredita que pode ter chegado a hora. Os contratos embutem 60% de probabilidade de a Selic cair apenas 0,25 ponto, de 13,25% para 13%. Mas muitos economistas de instituições ouvidos ontem pelo Valor acreditam que uma decisão do Comitê em favor da desaceleração do declínio do juro básico será incongruente com os objetivos desenvolvimentistas do pacote de Lula. A incompatibilidade, ao confundir o empresariado que investe produtivamente, deverá atenuar o potencial de expansão econômica desencadeado pelo PAC. Isso irá desagradar o Ministério da Fazenda, autor do programa. Mas o dilema é que o BC, se contrariar as suas próprias sinalizações e mantiver a diminuição da taxa em 0,50 ponto, estará confundindo o mercado financeiro. Este entenderá que houve ingerência na política monetária. Tomará a decisão como um abalo no princípio, ainda informal, da autonomia do BC.

Diante do impasse, os analistas se mostram bem divididos em seus prognósticos sobre o resultado que o Copom irá divulgar na noite do dia 24. O Valor consultou ontem 14 economistas e verificou-se praticamente um empate técnico: oito acreditam que o compasso de 0,50 ponto será mantido e seis apostam em redução para 0,25 ponto.

Alguns economistas vêem espaço técnico para o BC persistir no corte de 0,50 ponto - inflação anual sob controle e abaixo da meta, quedas do risco-país para níveis recordes de baixa, declínio do dólar e derrocada do petróleo que autoriza corte de 10% no preço dos combustíveis, com impacto de 0,4 ponto no IPCA anual - , mas acreditam que a decisão será pautada pela "maior parcimônia", com ou sem intromissão externa. E, por isso, cravam a aposta na coluna do 0,25 ponto. É o caso dos analistas da MB Associados. A importância do encontro da semana que vem pode ser medida pela expectativa de que, como diz o economista Sérgio Vale, "o tom do comportamento do BC ao longo do ano deverá ser dado nesta primeira reunião do ano".

Se há economistas para quem o PAC pode interferir no Copom no sentido de garantir um juro mais baixo, outros sustentam o contrário. "Haveria espaço suficiente para que a queda continuasse sendo de 0,5 ponto. Entretanto, a cautela do BC em relação às medidas de aceleração do crescimento que o governo deve anunciar pode ajudar numa decisão mais parcimoniosa", completa Vale.

O economista da MB diz que, dependendo do seu teor, o PAC pesará na mesa do Copom. Se o Plano Piloto de Investimentos (PPI) for de fato agregado ao superávit, sinalizando uma queda da meta de superávit primário de 4,25% para 3,75%, isso pode, na opinião da MB, alterar marginalmente as projeções do BC, já que sinalizaria mais demanda. "É bom lembrar que o BC vem alertando há tempos sobre os estímulos fiscais como impulsionadores do PIB e seus efeitos adicionais ao afrouxamento da política monetária", diz Vale.

Um saída honrosa para o BC não tomar decisão desarmônica com o PAC será conjugar a sua opção por um diapasão mais comedido de queda da Selic com a diminuição dos compulsórios bancários. Com isso, atuaria para diminuir os spreads bancários e ampliar a oferta de crédito e baratear o seu custo, sem ter de colocar a Selic em rota perigosa. Atualmente, 45% dos depósitos à vista não são remunerados e 8% recebem a Selic. Dos depósitos a prazo, 15% são recolhidos em títulos e 8% são remunerados pela Selic. Sobre a caderneta de poupança, o compulsório é de 30%, sendo que 20% recebem o próprio rendimento da caderneta e 10% o ganho da Selic. A defesa da queda do compulsório é feita pelo diretor da Modal Asset, Alexandre Póvoa e pelo economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros.

Na opinião de José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o Copom tem agora uma ótima oportunidade para se livrar da "armadilha da maior parcimônia": como a próxima reunião começará com considerações sobre reduzir ou não a taxa em 0,25 ponto, a redução de 0,5 ponto fica descartada, já que, após o placar divergente do encontro de novembro, a ata fez anúncio inédito de que o corte de 0,25 ponto será avaliado.

Uma argumentação muito defendida entre os economistas que apostam fichas na desaceleração é a de que o BC quer mostrar "que é devagar que se vai ao longe": se a taxa cair mais lentamente, acumulará queda maior ao fim do ciclo de baixa. Se, ao longo das oito reuniões de 2007 do Copom, a Selic cair 0,25 ponto, fechará dezembro a 11,25%. Nesse caso, o juro real (acima da expectativa de IPCA para o ano, de 4%) cairá a 6,97%. Se o BC continuar cortando 0,50 ponto por reunião, chegará ao mesmo resultado já na reunião de 6 de junho. O que é melhor para o crescimento do país: juro real de 7% já em junho ou só em dezembro?