Título: Oportunidade na crise cambial
Autor: Langoni, Carlos; Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 28/11/2010, Economia, p. 21

Para economista da FGV, que também é ex-presidente do BC, força da moeda nacional pode ser janela para reformas como a tributária

A intensa valorização do real, que tem preocupado o governo e os empresários ¿ seja pelo encarecimento das exportações, seja pela entrada maciça de produtos importados no país ¿, pode, na verdade, representar uma grande oportunidade para o Brasil. É o que pensa o economista Carlos Geraldo Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas e ex-presidente do Banco Central. ¿É um grande estímulo para o país retomar a agenda de reformas, começando pela tributária¿, avalia.

Graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Ph.D. em Economia pela Universidade de Chicago, Langoni considera a crise cambial deflagrada pela desvalorização do dólar consequência de um desequilíbrio estrutural. ¿Os Estados Unidos precisam poupar mais e consumir menos, enquanto que a China e os países asiáticos precisam poupar menos e consumir mais¿, diagnostica.

Mas o Brasil pode não ficar a reboque dos acontecimentos. Para isso, a receita já está pronta: aprofundar o ajuste fiscal, melhorar a qualidade da política fiscal com a reforma tributária e conter os gastos correntes. ¿E aí haverá espaço para reduzir os juros sem prejudicar o objetivo de diminuir também a inflação¿, pondera. ¿Não existe solução mágica.¿

Quais são os fatores que estão produzindo a chamada guerra cambial? São os desequilíbrios externos da economia mundial concentrados em quatro grandes atores: Estados Unidos, com um deficit em conta-corrente muito acentuado, e China, Japão e Alemanha, com superavits em conta-corrente que não são sustentáveis. O que a economia mundial precisa é uma correção ordenada desses desequilíbrios.

E como isso poderia ser feito? Essa é a grande questão. Quando falamos dos desequilíbrios externos e da questão cambial, estamos reconhecendo uma tendência de desvalorização exagerada do dólar e uma subvalorização da moeda chinesa, o iuan. Os Estados Unidos, por exemplo, precisam poupar mais e consumir menos, enquanto que a China e os outros países asiáticos precisam poupar menos e consumir mais. A China teria que estimular mais o mercado interno e desestimular a poupança, o oposto do Brasil. Os chineses poupam demais. Eles têm uma taxa de poupança de quase 40% do PIB. No Brasil é de 17%. E os Estados Unidos, por sua vez, vão ter que reduzir esse deficit comercial muito elevado. Para isso, vai ter que haver uma desvalorização do dólar.

Mas isso já vem sendo feito e sem muito êxito. Eles também teriam que usar estímulos internos muito mais de natureza fiscal do que monetária. Hoje, é muito mais fácil para eles usar a política monetária, porque os Banco Centrais são independentes. Já a política fiscal exige uma negociação muito delicada com os parlamentares. Ao injetar recursos em sua economia, esse excesso de liquidez transborda das fronteiras dos EUA, atinge todo o mundo, e principalmente os países emergentes que têm fundamentos macroeconômicos mais sólidos, como é o caso do Brasil.

O Brasil está sofrendo as consequências de seu sucesso? Eu gosto de usar uma expressão: o real é vítima de seu próprio sucesso. Então, independentemente desses desequilíbrios externos da economia mundial, o real estaria mais valorizado do que há cinco, dez anos. A percepção de risco Brasil melhorou muito, inclusive sua componente política, com essa exuberância democrática, com o sucesso das eleições, com a transição política FHC-Lula e Lula-Dilma. Também melhoramos muito o manejo macroeconômico. Então, é lógico que o câmbio de equilíbrio do Brasil hoje é outro. Mas também é verdade que esses problemas externos, fora do nosso controle, acentuam esse viés de valorização.

O que o Brasil pode fazer para frear essa valorização de sua moeda? O país não pode só ficar a reboque. O Brasil tem que tomar cuidado para não cair em uma armadilha heterodoxa. Uma coisa é usar Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para penalizar investimentos com capitais de curto prazo, que são atraídos pelo diferencial elevado de juros em relação ao resto do mundo. Mas sou contra, por exemplo, ideias como quarentena para recursos externos ou mesmo controles administrativos de capitais. Esses instrumentos não funcionam, são ineficientes e, pior, tendem a contaminar essa percepção favorável de risco Brasil. É bom lembrar que o país, na verdade, só está vivendo essa fase de pujança ¿ de crescimento ¿ a partir de 2004, e precisa muito contar com o complemento da poupança externa enquanto a doméstica não supera os 25% do PIB.

Essa valorização do real tem algum aspecto positivo? É um grande estímulo para o país retomar a agenda de reformas, começando pela tributária. De imediato, o Brasil pode desonerar as exportações, principalmente retirando PIS, Cofins e a carga incidente sobre a folha de salários. E qualquer aplicação financeira de mais de dois anos, por exemplo, deveria ter os rendimentos totalmente isentos de tributos. Hoje, a tributação ainda está na faixa de 15%. O Brasil tem que aumentar a poupança doméstica e estimular mais as exportações. O caminho mais rápido e mais eficiente é otimizar a estrutura tributária. O paradoxo é que estamos começando pela contramão, querendo, de forma casuística, ressuscitar a CPMF.

O país também precisa investir pesadamente em infraestrutura. Temos um gargalo enorme. Para isso, o governo terá que conter a explosão de gastos correntes e abrir mais espaço para investimento do setor público, que já é muito reduzido. Hoje está em torno de 1% do PIB e precisa duplicar. O resto virá do setor privado. Mas é preciso melhorar o marco regulatório. Não se pode controlar artificialmente tarifas de energia se queremos investimentos na geração de energia. É necessário também estabelecer um cronograma temporal para o licenciamento ambiental. Outro ponto é repensar os modelos de concessão, principalmente, nos aeroportos por conta da Copa do Mundo.

Conseguiremos diminuir a meta de inflação, como quer a presidente Dilma? Estamos parados em 4,5% há vários anos. O ideal é trazer essa meta para 3%, no horizonte de quatro a seis anos, que é hoje uma taxa de inflação quase que média dos países que já têm um certo estágio de desenvolvimento e até mesmo de emergentes, como a própria China. Essa meta seria consequência de uma nova estratégia fiscal, elevando o superavit primário para o patamar de 3% pelo menos, estabelecendo uma meta para a relação dívida líquida pública/PIB, mais importante que a meta de inflação. Hoje, essa relação está em torno de 42%. Talvez possa cair para menos de 30%. Quem sabe, eliminar em quatro anos o deficit nominal, que está hoje em torno de 3% do PIB. Não é difícil. É um conjunto de medidas: aprofundar o ajuste fiscal, melhorar a qualidade da política fiscal com a reforma tributária e conter os gastos correntes. E aí haverá espaço para reduzir os juros sem prejudicar o objetivo de diminuir também a inflação. Não existe solução mágica.