Título: São Joaquim fica no Vale do São Francisco
Autor: Lucki, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2007, EU & Investimentos, p. D6

Já há algum tempo eu tinha em mente trazer e comentar notícias de vinho publicadas recentemente na imprensa internacional. A proposta é fazê-lo periodicamente sempre que houver temas que possam interessar ao leitor do Valor. Esta é a primeira delas.

Fraudes em vinhos antigos -

Quando se abre uma garrafa de um grande vinho, em particular se a safra é mais antiga, o momento é sempre de expectativa. Será que corresponderá a tudo o que se espera dele? Eventuais decepções são normalmente creditadas à conservação inadequada, ou mesmo problemas de rolha. É raro se aventar que se trata de um exemplar falsificado. Pois isso, na medida em que rótulos de renome - Petrus, em especial, mas também Romanée-Conti e célebres premiers grands crus classes de Bordeaux - tiveram alta valorização nos últimos tempos, se tornou mais comum do que se pensa.

Alguns casos têm sido abordados pela imprensa internacional, mas nenhum alcançou a dimensão que envolve a venda de garrafas históricas supostamente pertencentes a Thomas Jefferson, que antes de se eleger terceiro presidente dos Estados Unidos morou e foi embaixador na França durante vários anos. Lá nasceu sua paixão por vinho, tendo a deferência de ter suas iniciais "Th J" gravadas no vidro. A mais importante revista alemã, a Stern, assim como o Wall Street Journal, e o Figaro francês, entre outros veículos, dedicaram recentemente grandes espaços à questão.

Ela envolve muito dinheiro e gente de peso: de um lado o milionário americano, William Koch, dono de uma invejável coleção de quadros de pintores famosos e de adega com cerca de 40 mil garrafas, que alega serem falsos os Châteaux Lafite 1784 e 1787 comprados de Hardy Rodenstock, um colecionador e negociante alemão de vinhos bastante conhecido no mercado. Tais garrafas fariam parte de um lote encontrado em 1985 nos subterrâneos de uma casa parisiense, atrás de um muro especialmente construído durante a guerra para esconder a rica adega.

Koch comprou na confiança tendo em vista uma garrafa, supostamente deste mesmo lote, ter sido comprada pelo magnata Malcolm Forbes na época de sua descoberta - por US$ 156 mil uma garrafa - e ela ter sua autenticidade garantida pela insuspeita casa inglesa de leilões Christie´s. A discussão começou quando assessores designados pelo americano descobriram que as iniciais "Th J" haviam sido gravadas a posteriori por meio de um instrumento elétrico.

Rodenstock, ao mesmo tempo em que se nega a informar o local onde o tesouro foi achado, também recusou oferta da revista Stern para que as garrafas fossem examinadas por um instituto nacional de pesquisa de materiais de Berlim. Como pretexto ele cita que a garrafa então vendida a Forbes foi certificada pela Christie´s, e isso poria fim à discussão. Diga-se de passagem, no entanto, que nada assegura que a de Forbes e a recentemente vendida estavam juntas.

Diante do impasse William Koch entrou com uma ação na justiça americana e até o FBI entrou no assunto para investigar o que já se caracterizou como uma industria de fraudes de vinhos renomados. Ainda que tenha apenas seu nome mencionado e não envolvido, a Christie´s apressou-se em divulgar nota dizendo que ela não vende qualquer lote em que haja razões para questionar sua autenticidade, seja arte, objetos ou vinho; e que se valem de destacados experts, autoridades e instituições do setor para estabelecer passos que assegurem a autenticidade do que intermediam.

Aliás, tendo em vista a grande incidência de fraudes - há um caso que ficou famoso de vendas de caixas e caixas em 2000, de falsos Petrus das safras 82, 90 e 89 - produtores como Petrus e Romanée-Conti, desenvolveram garrafas com técnicas sofisticadas que impedem, ou pelo menos dificultam muito, as falsificações.

Se a Christie´s e sua congênere Sotheby´s, também inglesa, nunca estiveram implicadas nesse tipo de suspeita - para quem quer comprar vinhos sem grandes riscos o mais recomendável é se valer dos leilões que elas promovem - o mesmo não se pode dizer de Hardy Rodenstock.

Ele já esteve envolvido com negociantes americanos como suposta fonte de garrafas magnuns de Petrus 1921 entre outras intermediações suspeitas. Para "contornar" tais desconfianças, em especial junto a personalidades influentes do setor - Michael Broadbent, Hugh Johnson, Jancis Robinson e Parker, já estiveram por lá -, Rodenstock chegou a promover degustações históricas, em geral em Munique, abrindo garrafas excepcionais e inacessíveis para quem é do meio. Conta-se que numa dessas sessões ele fez questão de mostrar quase acintosamente as rolhas para que todos às observassem. Mas não deixou que alguém as levasse como lembrança.

Os melhores de 2006 em Portugal -

A Revista de Vinhos de Portugal publicou, como o faz tradicionalmente na sua edição de fevereiro - de uns tempos para cá ela só chega com dois meses de atraso (esta foi excepcionalmente trazida em mãos) - os melhores de 2006, em seus respectivos setores. Alguns deles: Luis Duarte, que dividia com o (competente) australiano David Baverstock a responsabilidade pelos vinhos do Esporão e saiu em 2004 para ser consultor independente, foi eleito enólogo do ano. Ele assessora, a Quinta do Mouro, Herdade dos Grous, Herdade Grande e Malhadinha, entre outras vinícolas de destaque no Alentejo.

Como produtor do ano foi escolhido o dinâmico Domingos Alves de Sousa, do Douro (representado pela Decanter). Houve empate no quesito Empresa do Ano entre a Dão Sul (Expand), pelo trabalho arrojado e empreendedor nas mais diversas frentes, e, num contexto diferente, a Niepoort (Mistral), de menor porte mas cujo foco em qualidade e caráter inovador, fazem dela e de seu mentor, Dirk Niepoort, exemplos notáveis que deveriam ser seguidos por outros produtores portugueses.

Ainda que o grande chamariz da edição seja a relação dos melhores do ano, cabe especial atenção ao editorial escrito por Luis Lopes Ramos, diretor da revista e grande conhecedor do assunto. Ele lembra que 2006 foi marcado por importantes movimentações no cenário vinícola português, e alguns dos mais importantes tiveram como protagonista a Sogrape, o maior grupo vitivinícola do país.

Primeiro foi a imprevista entrada do agressivo empresário Joe Berardo, já dono de vinícolas como a Quinta da Bacalhoa, no seu quadro acionário, o que deve acarretar algumas turbulências na organização. Depois foi sua saída do grupo conhecido como G7, que congrega(va) as sete maiores empresas de vinho de Portugal, responsável uma série de ações conjuntas no mercado internacional e, também em função disso, por boa parte das exportações do país.

Por fim, a saída do enólogo principal da Sogrape, José Maria Soares Franco, que entrou em 1979, tendo como mestre Fernando Nicolau de Almeida, o mentor do Barca Velha, e a quem substituiu quando este se aposentou em 1987. Soares Franco se associou com o conhecido João Portugal Ramos para desenvolver um projeto no Douro.

Com muita lucidez e bom senso, Luís Lopes cita os comentários trágicos que circularam em torno de reflexos negativos no Barca Velha com a saída de José Maria Soares Franco. Ele observa que esses críticos "ignoram que uma marca com décadas de prestígio não está dependente de um enólogo (por mais talentoso que seja)".

Faz lembrar a resposta de Paul Pontallier, diretor técnico do célebre Châteaux Margaux, quando perguntado sobre sua interferência no vinho em entrevista publicada aqui no Valor: "Eu fui muito influenciado pela forte personalidade tanto do vinhedo quanto do vinho. A personalidade de um vinho é mais forte e mais estável que a nossa".

As surpresas da "redegustação" dos espanhóis -

Foi muito corajosa a matéria publicada na última Sibaritas, revista bimensal editada por José Peñin, o mais conceituado e influente crítico de vinhos da Espanha. Ela juntou os tintos mais bem pontuados nos cinco guias mais importantes da Espanha - o próprio Peñin, CAMPSA, Gourmets, Proensa e Todovino - e os colocou às cegas para serem analisados por um grupo de experimentados degustadores.

O júri foi formado pelo próprio Peñin; Quim Vila, distribuidor de vinhos e responsável por uma enoteca em Barcelona; Sara Font, do prestigiado restaurante La Broche, em Madri; o sommelier Juan Antonio Herrero, do Lagrimas Negras, também de Madri; o jornalista Juancho Asenjo, do site elmundovino.com; Francisco Prieto, um amador membro da Academia Madrilena de Gastronomia, e o jornalista da Sibaritas, Federico Oldenburg.

O resultado, como era de se esperar numa degustação às cegas, teve surpresas e demonstra que em vinho não existem verdades absolutas e, sobretudo nessa área, humildade é uma virtude imprescindível. Quem realmente pois a cara para bater foi José Peñin, afinal eram suas notas que estavam sendo reavaliadas. Os demais eram franco-atiradores. Pelos comentários - todos estão publicados - que cada um deu aos vinhos até que, com alguns desvios, ele se mostrou coerente.

Houve certa discrepância entre as notas dadas para cada vinho pelos jurados que, apuradas as médias finais, resultaram na ordem de preferência. A se destacar o fato dos dois primeiros colocados, o Alión e o Valbueña se posicionarem à frente dos irmãos mais nobres, o Vega Sicilia Único 1996 e o Reserva Especial, que nem sequer aparecem entre os 10 primeiros.

1. Alión 2003 (94,57)

2. Valbueña 5º año 2002 (94,28)

3. Baron de Chirel 2002 (94,14)

4. Artadi Viña El Pison 2004 (94)

5. Pingus 2004 (93,57)

6. Abadia Retuerta Pago Negralada 2003 (93,42)

7. Amaren Graciano 2003 (93,14)

8. L´Ermita 2004 (93)

8. Torre Muga 2003 (93)

9. San Román 2003 (92,71)

10. Termanthia 2004 (92,42)

Brasileiros na Revue de Vin de France -

Ainda que provando uma seleção restrita e com alguns erros significativos - São Joaquim, na serra catarinense, está situado "na região desértica do Vale do São Francisco" - não deixa de ser positiva a matéria sobre vinhos nacionais, publicada na revista especializada mais importante da França, a Revue du Vin de France, e escrita por um de seus mais atuantes membros do comitê de degustação, Pierre Casamayor.

Salvo alguns enganos cometidos, sem, porém, comprometer a matéria, ele faz um panorama bem interessante sobre a vitivinicultura brasileira, com história, dados e referências otimistas. Entre essas o desenvolvimento qualitativo empreendido nos anos 90; a vocação para espumantes -embora só dois tenham sido mencionados -, e a possibilidade de agradar os consumidores europeus pelo fato de as uvas não atingirem (ou não conseguirem atingir) altos graus de maturação, os vinhos mantêm bom frescor, que os diferencia dos do Novo Mundo.

São nominalmente citadas e alguns de seus vinhos provados, as vinícolas Miolo, Salton, Valduga, Peterlongo, Don Laurindo e Lídio Carraro que, a propósito, teve o vinho mais elogiado e melhor pontuado, o Quorum 2004, com 17 pontos em 20 possíveis.

Outros vinhos bem avaliados: Miolo Merlot Reserva 2004 (16/20); Miolo Lote 43 2004 (16/20); Salton Merlot Volpi 2003(15/20) e Salton Talento 2002 (15/20).

As provas foram realizadas em junho de 2006, período que não chove por aqui. Daí o título do artigo "Exotic sous le soleil du Brésil" (Exótico sob o sol do Brasil) e que faz jus a imagem (climática) que temos lá fora. Ainda bem que ele não veio em março.

colaborador-jorge.lucki@valor.com.br