Título: Programa para agências reforça temor de ingerência
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2007, Brasil, p. A2

Sob coordenação direta da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o governo criou ontem um programa para "fortalecer" e "capacitar" a gestão nas agências reguladoras, mas reacendeu no meio empresarial os temores de interferência na autonomia desses órgãos. A origem da desconfiança está nos termos do decreto 6.062, publicado ontem no "Diário Oficial da União", que estabelece "o desenvolvimento e aperfeiçoamento de mecanismos para o exercício do controle social" entre os objetivos do programa.

O chamado "controle social" já havia sido evocado na exposição de motivos do projeto de lei geral das agências reguladoras, formulado em abril de 2004, pela Casa Civil. Na ocasião, o governo alegou que as agências careciam de "legitimidade" para funcionar e, com base em tal diagnóstico, propôs dois mecanismos criticadas pela maioria dos empresários: a assinatura de contratos de gestão entre o órgão regulador e o ministério ao qual é vinculado, com a definição de metas de desempenho, e a ampliação de poderes dos serviços de ouvidoria.

O Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (Pro-Reg) pegou de surpresa os próprios diretores-gerais das agências, que desconheciam a existência do decreto até a sua publicação. Pelo menos parte dos recursos virá de um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Segundo um texto formulado pela Casa Civil que traça um esboço do Pro-Reg, ao qual o Valor teve acesso, há cinco linhas de atuação previstas no programa: transparência e prestação de contas das agências; melhoria da qualidade da regulação; ética e profissionalização da gestão; concepção e implantação de uma unidade de coordenação, acompanhamento e avaliação de assuntos regulatórios; e capacitação técnica e gerencial para regulação.

O Pro-Reg pretende apoiar instituições da sociedade civil voltadas ao monitoramento das agências, capacitação de técnicos e desenvolvimento de indicadores setoriais de eficiência e qualidade da gestão nos órgãos reguladores. Esse último ponto pode servir de base para o desenho dos contratos de gestão das agências com os ministérios, segundo indica o texto da Casa Civil. Tal mecanismo está previsto no projeto de lei de 2004, cuja discussão foi temporariamente abandonada, mas deve ser retomada ainda neste ano, conforme indicou o próprio governo na divulgação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em janeiro.

O programa terá um comitê gestor encabeçado pela Casa Civil, com participação ainda dos ministérios da Fazenda e do Planejamento. As agências reguladoras e os ministérios aos quais estão vinculadas serão representadas apenas no conselho consultivo do Pro-Reg, que prestará assessoria e orientação ao comitê gestor. Alguns empresários ouvidos ontem levantaram a possibilidade de ingerência maior de Dilma Rousseff, com o decreto, sobre as agências.

Para um empresário, que pediu para não ter seu nome exposto, os efeitos do decreto vão depender muito da forma como ele será implementado. Pode ser um programa para capacitar mão-de-obra e fortalecer políticas regulatórias, mas pode igualmente abrir espaço para interferências diretas do governo nos órgãos reguladores, com o argumento de "controle social". Esse temor é reforçado pelas seguidas tentativas de influência em decisões recentes das agências. No ano passado, isso ocorreu em pelo menos duas ocasiões: no confronto entre o ministro Hélio Costa (Comunicações) e a Anatel, envolvendo a licitação para o direito de uso de radiofreqüências para internet em banda larga, e o mal-estar entre Silas Rondeau (Minas e Energia) e a Aneel na polêmica sobre a contabilização da eletricidade gerada por usinas termelétricas.

"As dúvidas surgirão no momento de implementação (do decreto)", comentou Paulo Pedrosa, ex-diretor da Aneel e hoje presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel). "O que chama a atenção é a menção ao controle social das agências, e essa questão pode até resultar no aumento da percepção de risco regulatório", afirmou Pedrosa.

O presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, fez uma leitura mais amena do decreto. Para ele, o princípio do texto é de fortalecimento do sistema regulatório. "Sempre colocamos a importância da autonomia operacional e decisória das agências reguladoras, com profissionalismo e responsabilidade na gestão", afirmou Godoy.

No artigo 2º, o decreto menciona, como objetivo do Pro-Reg, "o fortalecimento da autonomia, transparência e desempenho das agências". Logo em seguida, menciona "o desenvolvimento e aperfeiçoamento de mecanismos para o exercício do controle social e transparência no âmbito do processo regulatório".