Título: Brasil é visto como "paranoico"
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 02/12/2010, Mundo, p. 29

Em 2009, embaixador americano expunha a Washington reservas sobre a defesa do pré-sal e o reequipamento das Forças Armadas

Uma preocupação ¿paranoica¿ com a defesa da Amazônia e do pré-sal, planos de reequipamento das Forças Armadas e o interesse constante dos militares brasileiros por tecnologia são apenas alguns dos temas tratados em dois documentos reservados da diplomacia dos Estados Unidos sobre o Brasil, divulgados ontem pelo site WikiLeaks. As mensagens, enviadas a Washington em janeiro de 2009 pelo então embaixador no Brasil, Cliford Sobel, expõem reservas quanto à capacidade orçamentária do governo para colocar seus objetivos em prática.

O enviado americano, um empresário ligado ao Partido Republicano, foi indicado para o posto por George W. Bush e substituído no governo Obama. Em uma das mensagens tornadas públicas, Sobel critica o recém-criado Plano Nacional de Defesa. ¿Na visão do governo, o Brasil deve controlar sua própria segurança sem ter que sair de suas fronteiras para poder equipar suas forças¿, escreveu o ex-embaixador. A estratégia à qual ele se refere é a troca de tecnologia, também conhecida como off-set. Na prática, se o governo brasileiro se interessa em comprar um avião estrangeiro, o país fabricante precisa mostrar como a turbina é desenvolvida, por exemplo. Uma fonte do alto escalão do Exército Brasileiro disse ao Correio que os americanos têm resistência a esse tipo de acordo.

Os negócios, segundo escreveu Sobel, deveriam ser feitos com cautela. ¿O plano parece ser mesmo de uma parceria estratégica que prima pela troca de defesa e pela transferência de tecnologia, mas nós deveríamos estar abertos para cooperações em áreas de interesse mútuo.¿

Em um dos textos, classificado como confidencial, Sobel questiona como o governo brasileiro teria capacidade financeira para modernizar o equipamento militar. ¿O documento de estratégia não menciona como serão encontrados recursos para custear novas e caras ferramentas¿, declara. Sem contar com o que ele chama de ¿elefante branco¿ ¿ o projeto do submarino nuclear, comprado da França, que teria sido escolhida por razões políticas, de acordo com a mensagem.

Sobel aponta uma excessiva preocupação do governo Lula em defender com forças militares a Amazônia e as reservas petrolíferas da costa, principalmente na camada do pré-sal, e classifica o sentimento como ¿uma paranoia¿. ¿Não há nenhuma ameaça às reservas, mas os líderes brasileiros e a mídia têm citado as descobertas de petróleo no mar como razão urgente para melhorar a segurança marítima¿, diz. O ex-embaixador também sugeriu uma possível negociação com o Brasil sobre assuntos de defesa ¿enquanto esse governo estiver no poder¿.

Se as Forças Armadas brasileiras são destacadas como possível potência na América do Sul, outro comunicado da embaixada norte-americana em Brasília, enviado em novembro de 2009 pela então encarregada de negócios, Lisa Kubiske, relata que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, teria apontado a Colômbia como ¿ponto de instabilidade¿ na região. ¿Jobim reconheceu na prática a presença da guerrilha das Farc na Venezuela e ofereceu sugestões para criar confiança na fronteira entre Colômbia e Equador¿, diz a mensagem.

Charme diplomático Em uma das mensagens secretas da diplomacia americana divulgadas pelo Wikileaks, há relatos de que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, teria aproveitado o status de celebridade da primeira-dama, Carla Bruni, para estreitar as relações com o Brasil. Embora não seja mencionada explicitamente, a concorrência para a compra de 32 caças para a Força Aérea Brasileira estava já na fase final, com o Super Hornet (americano) e o Rafale (francês) no páreo, além do Grippen NG (sueco). No telegrama, enviado em novembro do ano passado, o embaixador dos Estados Unidos na França, Charles Rivkin, qualifica a relação entre Sarkozy e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma ¿história de amor¿. ¿Achamos que Sarkozy tira total vantagem da popularidade individual da esposa e da popularidade do casal para aumentar o alcance dos interesses da França no Brasil¿, analisa Rivkin.