Título: A política externa do novo governo
Autor: Saraiva, José Flávio Sombra
Fonte: Correio Braziliense, 28/11/2010, Opinião, p. 27

Especulações no Itamaraty e nos corredores do Planalto em torno do nome do novo chanceler do Brasil. A renovação na Casa de Rio Branco não tem o mesmo apelo da escolha do ministro da Fazenda ou do presidente do Banco Central. Mas a escolha do cargo de ministro da política externa nacional não é menos significativa que a dos demais, ante o contexto da ampliação do raio de ação internacional do Estado nacional.

O Brasil já foi visto de fora, e percebido por dentro, como um país insular, tropical e abençoado por Deus, isolado em sua vastidão, afastado das ambições da governança do mundo. Correntes historiográficas, em várias vertentes, construíram a mitologia do isolamento do país baleia. Afinal, esse país fala língua diferente dos seus vizinhos e está muito longe dos Estados Unidos e da Europa. Localizado no extremo ocidente, o Brasil estaria fadado a ser desprezado por não ter apelo estratégico e um futuro que só a transcendência sabia.

Felizmente não mais se aplicam essas imagens à presença internacional do Brasil. Afinal, sempre estivemos no mundo. E a inserção internacional do país mudou, mas não tanto. Há novidades importantes, embora ancoradas na experiência histórica dos antecessores.

Aprendemos gradualmente a elevar nosso peso no sistema de Estados. Se os negociadores portugueses nos legaram o território, o Império nos deixou o Estado e uma experiência de cordialidade oficial no trato com os vizinhos. Vargas introduziu o Estado indutor e sepultou a diplomacia da agroexportação da República Velha. O nacionalismo de fins, os objetivos industrializantes e o pragmatismo instrumental proveram linha de coerência no miolo do século 20. Ao lado do Japão, fomos o país que mais cresceu em PIB no século passado. Foram quase quatro décadas de crescimento econômico na faixa de 7% ao ano. Uma diplomacia profissional ajudou quase todo o tempo. Mas o modelo ruiu ante as crises financeiras e as dificuldades de adaptação altruísta aos novos desafios da globalização assimétrica.

A política externa de Dilma não deverá romper com a de Lula, mas não será a mesma. Depois de ciclo de ativismo diplomático, a quadra que se avizinha será mais contida. O novo chanceler receberá uma feição menos imaculada da presença do Brasil no mundo. Se estivemos em quase todos os tabuleiros, em muitos avançamos posições, como no G20 financeiro e na política de aproximação aos vizinhos sul-americanos e na fronteira atlântica com a África, além do esforço de internacionalização das empresas brasileiras no Sul e no Norte. Em outros capítulos, perdemos prestígio. Ou nos desgastamos sem necessidade. Mas isso é a política.

Lula entrega à nova presidente um país com melhor projeção internacional. Mas também com novos desafios e dificuldades. A ênfase sul-americana, latino-americana e caribenha conferida pela diplomacia brasileira dos dias atuais é consonante com a história, mas será preciso rever o projeto de integração pautado pela expansão do capitalismo brasileiro em seu entorno mais próximo. Há reações, aqui e acolá. A dimensão global da política externa do Brasil e suas características ecumênicas e universais dos interesses e valores expressos na inserção internacional do país não excluem a tomada de posições mais claras em temas mais delicados, como aqueles da geração dos direitos mais universais da pessoa humana.

As relações internacionais da segunda década do novo século confirmam o retorno dos egoísmos nacionais, como já demonstra o polo chinês, a impossibilidade da agenda de Doha, a guerra comercial e a escolha seletiva dos Estados Unidos de seus aliados na Ásia. A inserção internacional do Brasil, que é bem maior que sua política externa, exigirá a coordenação de posições e mais trabalho da burocracia itamaratiana, da área do comércio externo do governo, das universidades e dos empresários, na superação das novas hipóteses de vulnerabilidades nacionais. Multilateralismo romântico para tratar da crise do comércio externo do Brasil só soma déficits. Há hipótese da regressão competitiva do Brasil. Essa febre endêmica, a persistir, solaparia qualquer movimento de ampliação do raio do Brasil no mundo. Seu impacto na política externa é óbvio. Bons os desafios do novo chanceler.