Título: Paraguai quer terras de generais da ditadura para pagar indenizações
Autor: Uchoa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2007, Internacional, p. A11

A Justiça do Paraguai seqüestrou terras pertencentes a seis generais que serviram à ditadura de Alfredo Stroessner (1954-89) e quer usá-las para pagar pelas indenizações às vítimas do período autoritário. Segundo o procurador-geral do Paraguai, Nelson Mora, as terras foram adquiridas ilegalmente, por fraude no processo de reforma agrária, grilagem ou fruto de enriquecimento ilícito.

As propriedades têm tamanhos variados, de 2 mil hectares a 5 mil ou 6 mil hectares, e estavam anteriormente destinadas a serem distribuídas a agricultores beneficiados pela reforma agrária. Se julgar procedente a ação promovida pela Procuradoria Geral, a Justiça deve anular todos os documentos de transferência de propriedade para os militares e, consequentemente, para seus herdeiros ou testas-de-ferro.

"Sabemos que os trâmites são lentos, mas temos muita confiança na Justiça", disse Mora ao Valor.

Durante a ditadura Stroessner, os militares de alto comando receberam propriedades do Instituto de Bem-Estar Rural, equivalente ao Incra, no Brasil. A Justiça agora deve concluir que eles não se enquadravam na categoria de "pequenos agricultores".

"Muitas dessas enormes propriedades passaram de mãos nesses anos como forma de tentar burlar a Justiça", disse o procurador Mora. "Mas não conseguirão."

Um dos casos é do general Roberto Knopfelmacher, com sua fazenda de 6 mil hectares no oeste do país. Ele teria vendido a propriedade em 1986 e seus herdeiros a teriam comprado de volta anos depois. A perícia sobre o negócio indica que houve apenas uma tentativa de "limpar" as escrituras, tirando delas a menção de quer as terras foram cedidas pelo Instituto de Bem-Estar Rural.

Knopfelmacher ganhou notoriedade durante a ditadura por ter sido considerado o mandante do assassinato de líderes rurais e por ter liderado expulsões de pequenos agricultores de terras que posteriormente se transformaram em grandes fazendas.

Os herdeiros de Knopfelmacher, também acusados de envolvimento na morte de lavradores em 1996, são citados pela Comissão de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) como exemplo de impunidade, por nunca terem sido julgados pelos crimes.

"Perpetua-se o sentimento entre essas pessoas de que podem tudo, de que nada lhes acontecerá. Por isso é tão importante que os processos judiciais sejam levados adiante e o Estado de Direito prevaleça", disse o advogado paraguaio Martin Almada, defensor de vítimas de abusos contra os direitos humanos.

Uma lei aprovada em 1993 classificou o governo de Stroessner como "ditadura". Três anos depois, outra lei definiu o direito a indenização aos perseguidos, torturados e aos familiares dos mortos. Segundo Nelson García Ramírez, da Associação Americana de Juristas, a lei considera que o Paraguai passou de 1954 a 1989 por um período de "terrorismo de Estado".

Segundo a Defensoria Pública paraguaia, ao menos 500 pessoas, ou suas famílias, já foram identificadas como passíveis de indenização por terem sido vítimas de violações dos direitos humanos.

O ditador Alfredo Stroessner morreu aos 94, em agosto do ano passado, em Brasília, onde estava asilado. A Procuradoria Geral do Paraguai acompanha o inventário de Stroessner com o objetivo de recuperar parte dos bens e fundos desviados do Estado. Algumas estimativas da fortuna de Stroessner chegam a US$ 3 bilhões.