Título: Dirceu é condenado a 10 anos e 10 meses
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 13/11/2012, Política, p. A12

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu terá de cumprir 10 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de pagar multa de R$ 676 mil. Já o ex-presidente do PT José Genoino foi condenado a 6 anos e 11 meses de prisão, em regime semiaberto, acrescidos de multa de R$ 468 mil. Para completar, a Corte decidiu que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares terá de cumprir 8 anos e 11 meses de prisão, além de pagar R$ 325 mil.

Assim que as penas para os três réus considerados líderes do núcleo político do mensalão foram definidas, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, fez questão de enfatizar que eles não podem mais se candidatar a cargos eletivos. "Basta a invocação da Lei Ficha Limpa para verificar que todos eles estão inelegíveis", afirmou.

O STF ainda terá de decidir se os réus vão para a prisão imediatamente após o término do julgamento ou se vai aguardar a análise dos últimos recursos para determinar o cumprimento das penas. No regime fechado, o réu tem, obrigatoriamente, que passar ao menos um sexto da pena na prisão. No caso de Dirceu, esse prazo seria de quase 22 meses. Já Genoino terá de cumprir ao menos um sexto de sua pena no regime semiaberto, o que resultaria num prazo de quase 14 meses em que ele terá de dormir na prisão, podendo sair de lá durante o dia. Para Delúbio, o prazo de um sexto na prisão é próximo de 18 meses.

A pena de Dirceu foi definida em duas etapas. Na primeira, os ministros decidiram a punição por quadrilha e o relator, Joaquim Barbosa, fixou a pena perto do máximo. Ele propôs 2 anos e 11 meses para um crime cuja punição máxima é de 3 anos. "Dirceu colocou em risco a democracia", resumiu Barbosa. "A culpabilidade é extremamente elevada, uma vez que ele se valeu de cargos e da proeminência tanto no PT quanto no governo para cometer crimes. Essa posição e força do réu no plano partidário, político e administrativo foi fundamental", completou.

A pena alta indicada pelo relator a Dirceu pelo crime de quadrilha foi aprovada por unanimidade pelos demais ministros que haviam condenado o ex-ministro-chefe por esse crime. Num segundo momento, Barbosa propôs pena de 7 anos e 11 meses para Dirceu pela compra de votos de parlamentares e também foi seguido por unanimidade. Nesse item, não votaram os ministros Ricardo Lewandowski, revisor do processo, e José Antonio Dias Toffoli, pois eles haviam absolvido Dirceu.

"A culpabilidade é elevada, uma vez que Dirceu participou ativamente do crime de corrupção", justificou o relator. Segundo ele, Dirceu "manteve intensa e extrema proximidade com outros acusados" no delito de distribuir dinheiro para parlamentares. "Coube a Dirceu selecionar quem seriam os alvos do oferecimento da propina", continuou Barbosa, citando os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), além dos ex-parlamentares Pedro Corrêa, Bispo Rodrigues, Romeu Queiroz, José Borba e o presidente do PTB, Roberto Jefferson.

Barbosa justificou as penas altas, alegando ainda que Dirceu participou de reuniões com representantes de bancos para transferir valores para parlamentares. "Com efeito, o crime de corrupção ativa tem como consequência uma lesão gravíssima à democracia, que se caracteriza pelo diálogo e por opiniões divergentes entre representantes eleitos pelo povo", disse o relator. "Foi esse diálogo que o réu quis suprimir mediante o pagamento de vultosas quantias", completou. A ministra Rosa Weber enfatizou que as penas para Dirceu foram as mesmas impostas ao publicitário Marcos Valério, considerado o operador do mensalão, pelos mesmos crimes - quadrilha e compra de parlamentares. "São os mesmos critérios que utilizamos para Valério", constatou.

Após definir as penas de Dirceu, o relator passou a descrever a participação de Genoino no mensalão. Inicialmente, Barbosa propôs pena de 2 anos e 3 meses por quadrilha, que foi seguida por unanimidade e definida em poucos minutos. Em seguida, o relator passou a descrever a punição pela compra de apoio político.

"A culpabilidade de Genoino é menos intensa do que a de Dirceu, mas também se apresenta elevada. Ele, na condição de presidente de um partido político importante, então recém-ganhador das eleições desse país, ocupou-se da negociação de valores para parlamentares em troca do apoio dos correligionários aos projetos de interesse do governo na Câmara dos Deputados. Não se tratou de um crime de corrupção ativa comum", afirmou Barbosa ao votar por pena de cinco anos e três meses a Genoino por corrupção ativa.

Rosa Weber propôs pena um pouco menor, de 4 anos e 8 meses. Ela alegou que, ao invés de agravar a pena base por corrupção em dois terços, optou por fazê-lo em apenas um terço. Já Dias Toffoli e a ministra Cármen Lúcia chegaram a uma pena mínima para Genoino que estaria, portanto, prescrita. Quando Gilmar Mendes propôs a mesma pena de Rosa Weber, o relator decidiu reajustar o seu voto, indicando a pena de 4 anos e 8 meses, que acabou vencedora na Corte.

"Então, o total de Genoino é de 6 anos e 11 meses", constatou Celso de Mello ao somar as duas condenações. "Em regime aberto", disse Britto. "Semiaberto", corrigiu Barbosa. "Não há um direito assegurado a um dado regime. Isso vai depender da circunstância", enfatizou Celso de Mello. De fato, tanto as penas quanto o regime a ser cumprido ainda estão passíveis de novas definições. Cármen Lúcia ressaltou que, ao fim do julgamento, vai se manifestar novamente a respeito das penas finais, que podem ser calibradas. "A pena que eu condeno Dirceu é de regime semiaberto, mas vou me pronunciar no momento adequado", disse a ministra. O regime de cumprimento das penas de cada réu e os anos pelos quais cada um ficará preso serão avaliados na fase de execução da pena, no qual tem que ser observado o mínimo de um sexto do tempo total de reclusão.

Celso de Mello ressaltou ainda que, se fosse deputado, Genoino perderia o mandato. "A corrupção de um líder de bancada tem por consequência gravíssima a própria democracia, que é caracterizada pelo diálogo e por opiniões distintas daqueles representantes eleitos pelo povo. É tão grave a conduta que, se ele fosse detentor de mandato, seria possível a desqualificação por ato que configura atentado ao decoro parlamentar", afirmou o decano.

Em seguida, a Corte definiu as penas para Delúbio. Ele pegou 2 anos e 3 meses por crime de formação de quadrilha e mais 6 anos e 8 meses por corrupção ativa. No total, o ex-tesoureiro do PT foi condenado a 8 anos e 11 meses de prisão e a pagar multa de R$ 325 mil. "Delúbio participou de várias reuniões na Casa Civil com Dirceu e manteve intensa atuação com o núcleo criminoso ao lado de Valério", disse o relator. "Pela atuação de Delúbio os milionários empréstimos fraudulentos puderam ser distribuídos aos parlamentares escolhidos por Dirceu. A sua conduta foi altamente reprovável", completou.

Após concluir as penas dos líderes do núcleo político, o STF passou para o núcleo financeiro. Primeiro, a ex-presidente do Banco Rural, Katia Rabello, foi condenada a 2 anos e 3 meses de prisão pelo crime de formação de quadrilha. Na sequência, a Corte condenou-a a mais 5 anos e 10 meses por lavagem de dinheiro, a 4 anos por gestão fraudulenta e a mais 4 anos e 7 meses por evasão de divisas. Barbosa ressaltou que a ex-presidente do Banco Rural "ajudou a por em risco o regime democrático". Somadas as multas a Katia ficaram em R$ 1,5 milhão as penas atingiram 16 anos e 8 meses.

A definição das penas foi realizada, ontem, após um novo embate entre Barbosa e Lewandowski, que terminou de maneira crítica, com o revisor se retirando do plenário em protesto - uma atitude absolutamente extrema para os padrões do STF. Lewandowski não concordou com a alteração na sistemática de votação pela qual Barbosa optou por começar a sessão pelos réus condenados do núcleo político, e não pelos do núcleo financeiro, como estava previsto, sem qualquer aviso prévio aos colegas. "Segundo eu entendi, a votação seria inicialmente pelo núcleo bancário", reclamou o revisor, logo no início da sessão, alegando que veio de uma banca de mestrado e estava surpreendido. "Não interessa de onde vossa excelência veio", respondeu Barbosa. "Vossa excelência está surpreendendo a Corte a cada momento. A imprensa anunciou que seria o núcleo bancário", insistiu Lewandowski. "A surpresa é a lentidão ao proferir os votos. É esse joguinho", retrucou o relator.

Irritado, Lewandowski abandonou o plenário e não participou da primeira parte da sessão do STF. Ele retornou somente depois de uma conversa com o presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, no intervalo da sessão. "Eu tenho que me cumprimentar pelo retorno do ministro Lewandowski, que reassume o papel de revisor", afirmou Britto. "As pessoas eventualmente estranham que, por vezes, as nossas discussões se tornem mais acaloradas e a temperatura psicológica sobe, mas isso, para mim, é sinal de vitalidade. Isso comprova que aqui não há nada combinado, que as sessões transcorrem num clima de naturalidade, de coragem", completou o presidente.

"Quero agradecer as palavras sempre ponderadas e agregadoras e as recebo como um desagravo pessoal que vossa excelência fez em nome da Corte", respondeu Lewandowski.

Uma das hipóteses de Barbosa ter alterado a sistemática de votação é a proximidade da aposentadoria de Britto. O presidente deixa o STF no próximo dia 18 e fará a sua última sessão na quarta-feira. Com a inversão, ele teve tempo de participar das discussões sobre as penas dos réus do núcleo político. "Essa impressão é falsa", disse Britto. "Se o relator tivesse começado pelo núcleo financeiro, julgaríamos, hoje (ontem), no mínimo, o financeiro, e na quarta-feira, o núcleo político", completou. Para Britto, "é natural que o STF faça ajustes". Já as discussões, como a ocorrida entre o relator e o revisor, não são boas. "Não é o desejável. Mas esse processo não é usual. Já ouviram falar de um processo com 40 réus e mais de 600 testemunhas?"