Título: Para cumprir tabela
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 28/11/2010, Ciência, p. 32

COP-16 começa amanhã no México, mas um acordo global vinculante para combater as mudanças climáticas só será possível em 2011

Toda aquela expectativa em torno da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas ficou no passado. Depois de uma frustrante COP-15, ano passado, na Dinamarca, as negociações voltam à mesa em Cancún, a partir de amanhã. Mas, dessa vez, nem mesmo a ONU tem um discurso otimista. Na avaliação de especialistas, muito pouco será feito no encontro, e o reflexo disso é a lista de participantes, na qual não constam nomes de chefes de Estado ¿ no ano passado, Luiz Inácio Lula da Silva, Barack Obama e Gordon Brown foram alguns dos governantes que circularam por Copenhague.

O próprio secretário-geral das Nações Unidas, Ban Kin-Moon, já avisou que não sairá do México um acordo vinculante pós-Kyoto. A mesma declaração foi feita por Yvo de Boer, ex-secretário executivo da conferência: ¿Não vejo um tratado sendo feito em Cancún¿, disse, em entrevista ao site EurActiv. Chega a soar irônico o fato de um evento de tão grande porte ¿ e, consequentemente, onde se emite muito carbono ¿ termine sem grandes novidades. Em Copenhague, somente os 140 aviões privados e as 1,2 mil limusines usadas pelos líderes mundiais nos 11 dias de conferência emitiram 41 mil toneladas de dióxido de carbono. O equivalente ao produzido no mesmo período em uma cidade de 150 mil habitantes. ¿Quando consideramos os desafios internos de muitos países face à necessidade de avançar nas ações relacionadas ao clima, principalmente durante tempos de dificuldades econômicas, um cenário já complexo torna-se ainda mais obscuro¿, reconhece Eileen Claussen, presidente do centro de pesquisas Pew Center on Global Climate Change.

Dada a complexidade do tema e os rumos que as discussões tomaram nas reuniões preparatórias, o negociador sênior para Mudanças Climáticas do governo japonês, Noburo Sekiguchi, é outro que se mostra cético sobre a possibilidade de a COP-16 terminar com um acordo vinculante. Um dos pontos polêmicos é a não exigência que países em desenvolvimento tenham metas de redução, algo considerado controverso principalmente pelos Estados Unidos e pelo Japão. ¿Não achamos que as metas devem ser as mesmas para países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas é necessário que grandes poluidores como a China tenham metas de redução verificáveis¿, diz Sekiguchi.

Os olhos dos negociadores já estão voltados para a África do Sul, que vai sediar, no ano que vem, a COP-17. Somente lá poderá ser costurado um acordo vinculante para substituir o Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. A assinatura de um texto com caráter legal, porém, não é garantia nem na África. Se os países-chaves não assumirem um compromisso, é possível que o mundo fique, durante muito tempo, sem diretrizes internacionais para o corte nas emissões de CO2. Estender Kyoto é algo impensável, de acordo com Yvo de Boer. ¿Não vejo os Estados Unidos assinando o Protocolo e não vejo os países ricos que são parte de Kyoto aceitando um segundo round de objetivos a ser cumpridos, sem os Estados Unidos¿, destaca.

Financiamento Como o documento vinculante não está na pauta de Cancún, as reuniões devem se concentrar em pontos que ficaram perto de ser acordados em Copenhague. Para o especialista em sustentabilidade Andrew Gilder, da África do Sul, a cada conferência os focos mudam, fazendo com que o debate seja contínuo. Ele acredita que uma das possíveis discussões seja a quantificação das emissões de carbono por parte dos países do Anexo 1, aqueles que precisam apresentar metas mensuráveis de corte de CO2. ¿Uma das coisas importantes para a COP-16 é como as metas desses países serão quantificadas. Atualmente, elas não precisam ser baseadas em um ano ou em um período de tempo específicos, então, precisamos pensar em padrões mais objetivos para conseguirmos comparar essas metas¿, afirma.

Mas o principal assunto da COP-16 deverá ser o fundo global anunciado no ano passado, para ajudar as nações mais pobres nos esforços de mitigação. Em Copenhague, os representantes dos 192 países que participaram da conferência reconheceram a importância da criação do fundo, totalizando US$ 100 bilhões até 2020. Inicialmente, os países industrializados prometeram levantar US$ 30 bilhões até 2012 para ajudar as nações em desenvolvimento a combater o desflorestamento e investir em tecnologia limpa. Porém, desse montante, até agora apenas 26% (US$ 7,9 bilhões) foram comprometidos em programas internacionais sobre mudanças climáticas. Desses, 13% foram, de fato, investidos.

Em Cancún, será preciso definir a distribuição do financiamento e se o montante proposto é suficiente para provocar impactos realmente significativos nas mudanças climáticas. Uma das preocupações é quem deve ser prioridade na hora de receber o dinheiro. Para os Estados Unidos, os países que passam por um grande crescimento econômico não deveriam entrar na lista, mas China e Índia, principalmente, já afirmaram várias vezes que querem o seu quinhão do fundo.

Outro ponto que poderá ser ao menos estruturado é a transferência de tecnologia para mitigação e adaptação dos países em desenvolvimento. ¿Acredito que pode levar tempo para ver as coisas realmente acontecendo, mas acho que os negociadores podem chegar a um acordo em relação ao estabelecimento dos mecanismos para a transferência de tecnologia¿, afirma Elliot Diringer, vice-presidente de estratégias internacionais do centro de pesquisa Pew Center. Uma questão que tem sido discutida com frequência é como transferir o conhecimento mantendo, ao mesmo tempo, os direitos de propriedade intelectual. ¿Acho que ainda há muita confusão sobre a propriedade intelectual, mas não penso que a transferência de tecnologia será um obstáculo muito grande, como se acredita¿, diz Diringer.

REDD A expectativa dos especialistas é que pelo menos uma questão seja fechada na COP-16: a regulamentação do REDD, o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, tema que interessa particularmente ao Brasil, que possui a segunda maior concentração de florestas do planeta, atrás somente da Rússia.

O país e a França vão coordenar as negociações sobre a questão na COP-16, no lugar de Japão e Papua-Nova Guiné, atuais protagonistas. Atualmente, há US$ 4 bilhões destinados a iniciativas de REDD, sendo que US$ 500 milhões foram acordados em Copenhague. É preciso, agora, definir as ações.

O Brasil, que aprovou o Plano e a Política Nacional de Mudanças do Clima, chega a Cancún fortalecido, com status de um dos mais habilidosos negociadores da cúpula. O diretor do Departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, alerta que o país tem autoridade para exigir que outras nações adotem medidas firmes no combate às mudanças climáticas. ¿Vamos a Cancún com o mesmo espírito que fomos a Copenhague, de que somos partes da solução e não do problema. Vamos respaldados por ações que já começamos a implementar¿, avisa.

Colaborou Humberto Rezende

METAS BRASILEIRAS Sancionada em 28 de dezembro do ano passado, a lei nacional sobre mudança do clima fixa o compromisso do Brasil em reduzir, até 2020, as emissões projetadas de gases do efeito estufa, dentro do limite que vai de 36,1% a 38,9%. Como é um país em desenvolvimento, o Brasil não é obrigado, de acordo com as Nações Unidas, a estabelecer metas de cortes das emissões.

NOVO ÓRGÃO Na quinta-feira, o subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República, Johaness Eck, anunciou que o novo governo poderá criar um órgão para coordenar ações relacionadas às mudanças climáticas. De acordo com Eck, que participa da equipe de transição do novo governo, o órgão será dotado de estrutura ¿robusta¿.

BIOMAS PRESERVADOS Durante a COP-16, a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vão anunciar uma parceria estratégica para a preservação dos biomas. A iniciativa envolve a proposição de soluções técnico-científicas para a produção rural e proteção do meio ambiente nos diferentes biomas brasileiros, incluindo a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal, o cerrado, a caatinga e o pampa. Com duração de nove anos, a pesquisa focará na preservação e no plantio de árvores, que podem ser utilizadas como alternativa para a diversificação dos sistemas produtivos, e também na recomposição das áreas ambientalmente frágeis das propriedades rurais.

Tira-dúvidas

1 - O que é a COP-16? De amanhã a 10 de dezembro, negociadores de 192 países vão se encontrar em Cancún, na 16ª Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, para tentar chegar a um acordo internacional a respeito do corte das emissões de carbono. Eles vão trabalhar sobre um novo documento para suceder o Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor em 2005. Isso deveria ter sido feito em Copenhague, no ano passado, mas não houve consenso para a criação de um acordo vinculante.

2 - Qual foi o resultado da COP-15? Depois de duas semanas de negociações exaustivas, os líderes mundiais falharam em chegar a um acordo vinculante de redução das emissões de CO2. No lugar, o texto final resumiu-se a duas páginas nas quais os governos dizem ¿reconhecer¿ a necessidade de limitar o aumento da temperatura global em até 2°C. O lado positivo foi o progresso no debate sobre a criação de um fundo mundial de mitigação e no REDD, mecanismo de controle do desmatamento e da degradação florestal e de ações de conservação e manejo de florestas.

3 - Quais são os pontos polêmicos? O corte de emissões de carbono significa investimento pesado em tecnologias limpas e desaceleração econômica, o que não interessada em nada aos países industrializados. Enquanto as nações mais pobres e os estados-ilhas reivindicam uma espécie de ¿indenização¿ dos mais ricos pelos danos que esses já causaram ao meio ambiente, os países desenvolvidos querem que os em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, também paguem a conta, e assumam metas mensuráveis.

4 - O que vai acontecer depois de Cancún? Em setembro, o ministro indiano do meio ambiente, Jairam Ramesh, anunciou que o foco já está no ¿pós-Cancún¿, e Yvo de Boer disse que um acordo final só será feito na COP-17, que acontecerá daqui a um ano, na África do Sul. Se lá não houver acordo, Kyoto vai expirar sem substituto e é provável que, até a assinatura de um documento vinculante, não exista nenhum comprometimento global para o corte das emissões de CO2.