Título: O risco da inversão de fases na licitação
Autor: Reis Neto, Lauro C. Gomes dos
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Já há algum tempo existe uma tendência legislativa e doutrinária favorável à chamada inversão de fases da licitação. Por meio dessa inversão de fases, a análise dos documentos de habilitação (técnica, jurídica, econômico-financeira) fica relegada a segundo plano, dando-se prioridade à abertura e comparação das propostas de preço.

Ou seja, em primeiro lugar compara-se o valor das propostas, e posteriormente verifica-se se o proponente que apresentou o menor preço possui a capacitação necessária a prestar o serviço, realizar a obra, fabricar e entregar o bem objeto da licitação. Essa inovação tem sido proposta e adotada em legislações de âmbito federal, estadual e municipal.

Os maiores defensores da medida, na sua maioria administradores públicos, alegam que a inversão de fases trará maior agilidade aos procedimentos licitatórios, pois reduzirá o número de recursos administrativos e judiciais durante fases intermediárias da licitação.

Nada contra que se adote a inversão de fases para licitações cujo objeto seja a prestação de serviços ou aquisição de bens de uso comum. Aliás, o pregão serve exatamente para tais casos, e tem demonstrado êxito na redução de custos e tempo das licitações.

Tudo contra que se generalize a prática, e que se estenda a sistemática para licitações cujo objeto seja mais complexo, tais como obras e serviços de engenharia ou aquisição de bens sob encomenda para entrega futura, concessão de serviços públicos, PPPs etc. Especialmente em tais casos, as condições de habilitação técnica e econômica são mais importantes do que o preço oferecido e, nesses casos, a administração pública não pode se ater primeiramente ao aspecto financeiro, sob o risco de comprometer a qualidade do serviço ou do bem contratado por meio desse processo de licitação.

A administração pública deve obediência ao princípio da eficiência. A licitação destina-se à contratação mais vantajosa (e não mais barata) para a administração. Assim, a finalidade de um procedimento licitatório não é, ou não deveria ser, a contratação da proposta financeira mais vantajosa para a administração pública, mas a contratação, pelo preço justo, da melhor técnica e do fornecedor que comprove possuir condições técnicas e operacionais de entregar o objeto da licitação com segurança e garantia.

-------------------------------------------------------------------------------- A administração pública não pode se ater primeiro ao aspecto financeiro, sob o risco de comprometer a qualidade do serviço --------------------------------------------------------------------------------

A inversão de fases nada mais é do que mais um passo na valorização, exagerada, da variável preço nas aquisições públicas. A administração pública não deve optar por adquirir bens de pior qualidade, pelo menor preço. Diante dessa "corrente" do menor preço, o administrador - para não ser acusado de improbidade - adquire o pior produto pelo menor preço, e normalmente sem garantias.

Em uma licitação de fases invertidas, dificilmente a administração pública simplesmente desclassificará o licitante que apresentou o menor preço, ainda que haja falhas na sua habilitação técnica ou econômica. O administrador público será compelido a contratar a empresa que apresentar preço mais baixo, sem levar em consideração outros aspectos primordiais, como a qualidade do trabalho a ser desempenhado, ou as garantias exigidas no edital.

A inversão de fases, sem dúvida, permitirá a participação de licitantes sem condições técnicas e econômicas, que ofertarão preços baixos ou inexeqüíveis. As conseqüências serão os famigerados aditivos contratuais, inadimplemento de contratos, punições administrativas, recursos ao judiciário, etc. Tudo o que contraria o interesse público.

A Constituição Federal, artigo 37, inciso XXI, determina que a lei estabeleça "...exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações". E a legislação aplicável - especialmente a lei nº 8.666, de 1993, - estabelece e regula as condições de habilitação, limites de garantias, procedimentos. Ou seja, o administrador público está obrigado a cumprir uma série de procedimentos com o fim de realizar uma licitação que vise à contratação mais vantajosa para a administração pública, o que inclui técnica e garantias.

Se o objeto da licitação, seja a aquisição de um bem ou prestação de um serviço, é daqueles que leva o administrador a incluir no edital a exigência de comprovação de habilitação técnica, econômico-financeira, ou garantias de execução do contrato, a conclusão lógica é que o cumprimento de tais requisitos pelo licitante é de interesse público, e não uma mera formalidade que pode ser verificada "a posteriori". A capacitação técnica, operacional e econômica do licitante, a prestação de garantias, e a verificação de tais condições de participação naquela licitação, são mais importantes do que a verificação do preço.

Em tais casos a administração pública tem o dever de analisar primeiramente tais condições de habilitação e de garantia, e não inverter as fases da licitação, pois estará invertendo não só fases, mas as prioridades do interesse público.

Lauro Celidonio Gomes dos Reis Neto é sócio do Mattos Filho Advogados e vice-presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib)

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