Título: Somadas, penas já ultrapassam 100 anos
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2012, Política, p. A15

O Supremo Tribunal Federal (STF) enfrenta sérias dificuldades para definir as penas dos réus condenados no processo do mensalão e, com isso, tornou-se praticamente impossível que o julgamento seja concluído ainda durante a Presidência do ministro Carlos Ayres Britto. Após cinco sessões de dosimetria, a Corte não terminou de avaliar sequer as penas para os réus punidos no núcleo publicitário - o primeiro que está sendo analisado. Falta ainda a dosimetria dos réus dos núcleos político e financeiro. Até agora o Supremo já aplicou no processo do mensalão penas que, somadas, ultrapassam 100 anos de reclusão a apenas 5 dos 25 condenados.

Ayres Britto se aposenta em 18 de novembro, quando completa 70 anos. Ele terá que antecipar seu voto sobre as penas, como fez o ministro Cezar Peluso, que teve tempo de votar apenas um dos sete itens do mensalão e deixou indicadas as punições que pretendia adotar antes de sua aposentadoria compulsória. A expectativa é a de que o caso só será concluído na presidência de Joaquim Barbosa, o relator do processo do mensalão. Ele assume o comando do Supremo em 22 de novembro.

Uma das maiores dificuldade é que a fase da dosimetria está sendo realizada com críticas constantes entre os ministros. O recesso de 12 dias sem sessões do mensalão não foi suficiente para apaziguar os ânimos no Supremo, principalmente entre o relator e o revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Em alguns momentos, o relator se antecipa a possíveis críticas do revisor e vice-versa.

Ontem, ao votar as penas de Cristiano Paz, um dos ex-sócios de Marcos Valério, Barbosa pediu aos demais ministros para não descreverem novamente cada crime imputado ao réu. "Indago se devo ler a fundamentação de cada crime?", questionou o relator, lembrando que os fatos sobre cada um dos réus já foram exaustivamente descritos no tribunal. O ministro Marco Aurélio Mello pediu para Barbosa fazer uma síntese. "Vou ler, mas pergunto se alguém tem algum obstáculo ou se alguém só vê obstáculo na fixação de penas que adotei", continuou Barbosa.

Lewandowski argumentou que é um direito do réu saber as razões pelas quais foi apenado. "Para saber se alguém tem algo contra é preciso saber o que estamos a votar", completou o ministro José Antonio Dias Toffoli, que tem seguido o revisor na maioria das conclusões.

Barbosa afirmou, então, que a situação de Cristiano Paz é quase idêntica à de Ramon Hollerbach, outro ex-sócio de Valério cujas penas haviam acabado de ser definidas pelo STF. "A diferença é que ele foi absolvido da evasão de divisas", explicou. O relator indicou as penas para Paz e o ritmo de votação foi acelerado até o momento em que Lewandowski abriu divergência. O revisor ressaltou que Paz era um homem de criação na área de publicidade, onde ganhou diversos prêmios, e passou a ler um artigo do ex-sócio de Valério num jornal. "Eu não estou fazendo apologia do réu", afirmou. "Pelo contrário. Eu considero os crimes que ele cometeu gravíssimos. Mas isso faz parte das circunstâncias, dos motivos e do comportamento do agente", continuou o revisor, até Ayres Britto interrompê-lo: "Vossa excelência está lendo depoimento de testemunha de defesa?" "Não. É do próprio réu. Por quê? Algum problema?", respondeu Lewandowski. "Não. É que temos 600 testemunhas no processo", retrucou Britto. "Vossa excelência me desaconselharia? Então, não leio. Não estou tomando o tempo da Corte", completou Lewandowski. Ao fim, Paz pegou 25 anos, 11 meses e 20 dias de prisão.

Em seguida, Barbosa começou a votar as penas de Rogério Tolentino, advogado de Valério, dizendo que ele foi condenado 46 vezes por lavagem de dinheiro. Paulo Sérgio Abreu e Silva, advogado de Tolentino, disse que não foram 46 vezes, mas apenas uma. Barbosa revelou, então, que teria que consultar os autos e a sessão foi interrompida. "Confesso que não tenho a denúncia aqui", admitiu.

Na volta do intervalo, Barbosa afirmou que iria retomar o julgamento pelo "réu Simone Tolentino". Ele queria se referir a Simone Vasconcelos, ex-diretora financeira da agência SMP&B de Valério. O relator justificou o ato falho, alegando cansaço. O desgaste das 44 sessões do mensalão também atingiu Britto que, num determinado momento, disse que iria "acompanhar a divergência do ministro Marcos Valério". "Quero dizer, Marco Aurélio", corrigiu-se.

No caso de Tolentino, a Corte chegou a uma pena de cinco anos e três meses para os crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. Ainda falta a conclusão sobre o crime de lavagem de dinheiro. No caso de Simone, a pena está em nove anos e dois meses pelos crimes de corrupção e lavagem - o que indica que o cumprimento se dará em regime fechado, na prisão. Simone também foi condenada por formação de quadrilha, mas a pena fixada pela Corte para esse delito, de um ano e oito meses, já prescreveu. O STF ainda terá de definir a pena dela para evasão de divisas.

Ayres Britto cancelou a sessão extra que havia sido marcada para hoje. A 45ª sessão do mensalão será realizada na segunda-feira - a penúltima do ministro no STF. A última será em 14 de novembro.