Título: Supremo vai julgar perda de mandatos
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2012, Política, p. A8

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar em clima tenso o julgamento do mensalão no próximo dia 21, véspera da posse do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, na Presidência da Corte. Em sua estreia à frente do julgamento, Barbosa pode votar uma questão que deve criar polêmica com o Congresso: a perda imediata do mandato dos parlamentares condenados pela Corte.

Ao todo, dos 37 réus julgados desde 2 de agosto nas 46 sessões do mensalão, apenas três são parlamentares: os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). Num ato de desagravo à decisão, o ex-presidente do PT José Genoino, também condenado, pode assumir uma vaga na Câmara dos Deputados, onde é suplente. A Casa tem se negado a cumprir imediatamente as decisões do Supremo que determinam a perda do mandato.

Barbosa quis votar a questão na noite de quarta-feira, última sessão plenária com a participação do ministro Carlos Ayres Britto, que deixa o cargo e a presidência da Corte ao completar 70 anos, em 18 de novembro. De início, o ministro Marco Aurélio Mello advertiu que não seria o caso de votar o assunto naquele momento. O ministro Celso de Mello disse que a questão é de "magna importância". "Então, é por isso que eu quero votar", insistiu Barbosa.

O revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, alegou que decidir a perda de mandato seria "atropelar o cronograma" estipulado, que previa a definição de penas a outros réus. "Não é atropelar, ministro", respondeu Barbosa. "A questão se coloca porque mais cedo ou mais tarde nós teremos que enfrentá-la."

Quando Britto ponderou que seria melhor votar primeiro as penas dos réus do núcleo financeiro, Barbosa protestou novamente: "Presidente, eu imaginei que vossa excelência queria se manifestar sobre essa questão." A Lewandowski, Barbosa argumentou que é o relator quem define a ordem das votações do processo, e alfinetou: "Eu trago meu voto em três minutos, enquanto vossa excelência vota em uma hora."

Ao fim, prevaleceu a decisão da maioria de continuar a dosimetria do núcleo financeiro. Mas o debate sobre a forma de votação do mensalão mostrou que, sem Britto na presidência, o Supremo pode perder a condução serena do julgamento.

Desde o início das sessões do mensalão, Britto deu suporte a Barbosa, privilegiando o relator na definição da forma de condução dos trabalhos. O presidente atuou ainda para acalmar os ânimos e fazer o julgamento andar. Agora, quem vai presidir a Corte é Barbosa, um ministro de perfil irascível, que não leva desaforo para casa. O relator do mensalão já demonstrou entender que cabe a ele definir a ordem do julgamento. Na segunda-feira, por exemplo, Barbosa decidiu votar as penas do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, ao invés dos réus do núcleo financeiro, como estava previsto, o que levou Lewandowski a deixar o plenário em protesto, após mais um debate tenso entre os dois.

"Aqui a temperatura eventualmente sobe em plenário, mas nos gabinetes, nos bastidores, nos restaurantes, nos lugares que frequentamos, nós nos reconciliamos", afirmou Britto, referindo-se especialmente ao relator e ao revisor. "Eles exercitam a plenitude do contraditório argumentativo, mas separam o lado pessoal", completou. A aposentadoria de Britto muda a configuração de forças entre os ministros. O STF perde um modo de condução destinado a fazer o julgamento fluir.

A partir do dia 21, Barbosa vai comandar inteiramente a sistemática de trabalhos do mensalão e ele tem saído vitorioso na maioria das decisões. Na quarta-feira, quando seus votos voltaram a prevalecer, o STF definiu penas que, somadas, superam 40 anos de prisão e mais de R$ 3 milhões em multa para os três réus do núcleo financeiro.

O ex-dirigente do Banco Rural José Roberto Salgado recebeu uma pena de 16 anos e 8 meses de reclusão - punição igual à imposta, na segunda-feira, à ex-presidente da instituição Kátia Rabello. Lewandowski tentou reduzir a pena, alegando que Salgado "era um técnico do banco" e, portanto, deveria ter punição menor que a da ex-presidente, mas ficou vencido. Ao fim, a única diferença nas penas de Salgado e Kátia foi o valor da multa - de R$ 1 milhão para o primeiro e de R$ 1,5 milhão para a segunda. Vinícius Samarane, que até setembro era vice-presidente do Rural, foi condenado a 8 anos, 9 meses e 10 dias de prisão, além de multa de R$ 598 mil.

Os réus do núcleo financeiro foram condenados por emprestar dinheiro ao PT e a empresas do publicitário Marcos Valério, em operações que o Supremo considerou fraudulentas - empréstimos que não seriam cobrados.

A sessão de quarta-feira foi marcada por duras críticas dos ministros ao sistema prisional. José Antonio Dias Toffoli concordou com as críticas feitas pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e disse que a pena de prisão "combina com o período medieval". Ele defendeu a punição em dinheiro para quem cometer crimes financeiros, como os réus do mensalão. "Nós temos aqui uma banqueira condenada, como foi dito uma bailarina. Que ameaça real ela traz do ponto de vista da convivência humana?", questionou o ministro. "Que se pague com o vil metal."

Toffoli contestou ainda um dos fundamentos de Barbosa para condenar os réus - o de que atentaram contra a democracia. "Não se trata de atentar contra a democracia, porque a democracia brasileira é muito mais sólida que isso."

Celso de Mello chamou o regime de cumprimento de penas no Brasil de "ficção jurídica" e lembrou que cabe ao Ministério da Justiça implementar a política penitenciária. "É importante que o ministro da Justiça revele publicamente sua preocupação com o estado de coisas em que se acha o sistema penitenciário", disse. "Mas é grande a responsabilidade do Ministério da Justiça na implementação dos princípios e das diretrizes que foram contempladas na legislação de execução penal." O ministro argumentou que a pessoa condenada à prisão acaba sofrendo penas sequer previstas no Código Penal, como o abandono e "privações materiais".

Os advogados de Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane disseram que as penas foram desproporcionais e informaram que entrarão com recursos. Atuam na defesa os ex-ministros da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de Salgado, e José Carlos Dias, que defende Kátia. O advogado de Samarane, Maurício de Oliveira Campos Júnior, seguirá o mesmo caminho.