Título: Terra de gigantes
Autor: Zaparolli, Domingos
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2007, Caderno Especial, p. F1
Para uma pequena empresa, contar com o nome de uma grande corporação em seu portfólio de clientes pode ser o passaporte capaz de levá-la a um futuro promissor. Um cliente grande, normalmente, é sinônimo de compras volumosas e, muitas vezes, fonte para novas oportunidades de negócios.
Mas conquistar e manter um grande cliente não são tarefas simples. Exige disposição permanente de reavaliar e adaptar o negócio para atender a altos padrões de exigência. O pequeno empreendedor precisa ainda desenvolver uma estratégia para não viver à sombra do grande. "Um contrato com uma empresa de porte não é reta de chegada, mas tiro de partida para um novo patamar", diz o consultor Júlio Alencar, do Sebrae.
Conquistar um espaço entre os mais de 70 fornecedores que atendem os restaurantes McDonald´s e estabelecer um relacionamento de parceria com a rede de franquias foi o trampolim que levou rapidamente a paranaense Guardanapos Nevada a tornar-se uma empresa com atuação nacional e três unidades de produção, duas no Paraná e uma na Bahia.
Há dez anos, a Nevada era uma empresa recém-nascida e contava com 12 funcionários que operavam 14 máquinas de segunda mão em Piraquara, região metropolitana de Curitiba. Mas ousadia não faltava ao jovem Hidebrando Reine, então com 26 anos. Quando ele ficou sabendo que o McDonald´s procurava um fornecedor de guardanapos para seus sorvetes de casquinha, Reine se apresentou. "Fui de ônibus a São Paulo, com uma caixa de guardanapos de baixo do braço, parecia um retirante", recorda.
Voltou com um contrato para atender os restaurantes da região sul do país. A Nevada nunca mais seria a mesma. O McDonald´s é um comprador exigente, como informa o diretor de compras e qualidade da rede, Celso Cruz. "Qualidade, responsabilidade social e rígidos critérios de segurança alimentar são nossos critérios principais, custo vem depois", diz o executivo. A rede ainda audita constantemente seus fornecedores para verificar a manutenção das condições adequadas de produção.
Atender ao McDonald´s levou Reine, sob a orientação de seu novo cliente, a rever seu processo produtivo, adotar uma nova cultura de higienização e até refazer planilhas de custos. O esforço valeu a condição de fornecedor nacional da rede. Mas o maior salto veio em 2002, quando Reine extrapolou o universo dos sorvetes e apresentou uma solução capaz de reduzir o uso total de guardanapos utilizados nos restaurantes e ainda agradar ao consumidor, com uma apresentação mais higiênica do produto.
A solução desenvolvida por Reine prevê o envelopamento dos guardanapos em sacos plásticos e a entrega do mesmo ao consumidor junto do lanche. A necessidade de guardanapos nos restaurantes ficou 40% menor. "Reduzir as despesas com essa matéria-prima era uma reivindicação de nossos franqueados, Reine mostrou iniciativa e disposição de atuar em parceria", diz Cruz.
A Nevada foi elevada à condição de fornecedor único de guardanapos para a rede em todo o país. E pode ter mais. O McDonald´s está apresentando a solução desenvolvida por Reine às outras unidades da rede no exterior, abrindo ao empreendedor a possibilidade de exportar seus guardanapos envelopados.
Hidebrando Reine teve a felicidade de apresentar seu produto no momento certo, quando o Mcdonald´s enfrentava dificuldades com seus fornecedores tradicionais. E soube aproveitar sua oportunidade. Mas nem sempre a conquista de um cliente grande se dá de forma tão ligeira.
Em geral, como diz Júlio Alencar, é um processo que envolve ouvir muitos nãos, antes de um sim. "É uma tarefa que exige persistência", afirma o consultor. A rotina descrita por Alencar envolve detectar a pessoa chave no departamento de compras, agendar visitas, apresentar o produto, fazer uma oferta e refazer tudo isso quantas vezes for necessário.
Segundo o consultor e professor da FGV Francisco Guglielme, a conquista de um grande cliente exige também que o pequeno empresário tenha um bom domínio do mercado em que atua. Primeiro, ele precisa identificar o que o grande cliente em potencial consome e o que os fornecedores atuais entregam. É preciso detectar pontos fracos nos concorrentes, pois aí estão as brechas por onde surgem as oportunidades. "Não adianta procurar um grande cliente e oferecer aquilo que ele já tem. É preciso oferecer um diferencial, algo que desperte o interesse do comprador em testar um novo fornecedor", diz o professor.
Pablo Rego, diretor do Carrefour, confirma. "É preciso haver uma razão para um produtor entrar em nossas lojas. Pode ser custo, um maior valor agregado, um sabor regional ou uma ótima distribuição. Mas se o fornecedor não apresenta uma diferença particular, qual é o sentido do negócio?", indaga o executivo.
Rego acredita que o pequeno fornecedor pode ter uma importância estratégica para uma grande rede varejista. "São eles que dão um toque regional ao mix de produto oferecido", diz o executivo. Essa regionalização é fundamental quando o assunto é comércio de alimentos, por exemplo.
Grandes fornecedores oferecem produtos padronizados, com sabores idênticos em qualquer ponto do país. Mas os hábitos alimentares são diferentes. "O fornecedor local tem o produto que o consumidor da região quer e tem flexibilidade para adaptar sua produção caso necessário", afirma o executivo. Entre os fornecedores regionais do Carrefour, 23% são pequenas empresas.
A paulistana Sacia Sá, fornecedora de comida light congelada, é uma delas. Em 23 anos de atividade, a empresa já teve muitos altos e baixos, conta Edélcio Batista e Sá, que compartilha o comando do negócio com sua esposa, a nutricionista Telma. Nos anos 90, atendendo lojas de congelados, chegou a vender 14 mil pratos por mês. Mas também passou por momentos onde as vendas se limitaram à metade deste total.
Foi em um momento de baixa nos negócios, em 2001, que Sá recebeu uma ligação da loja Pamplona do Carrefour. Ele já tinha oferecido seu produto à rede inúmeras vezes. Sá teria a oportunidade de colocar seu produto em teste na loja. A exposição confirmou a Edélcio que ele tinha um produto de boa aceitação, mas faltava seduzir o consumidor. O problema estava na embalagem.
O empresário, com o apoio do Sebrae, iniciou um processo de evolução continua em sua embalagem, que culminou com a adoção, em 2005, de uma embalagem denominada ecobox. "É bonita e ecologicamente correta, agrada o consumidor", diz Sá.
O esforço não passou despercebido no Carrefour. Os produtos Sacia Sá foram conquistando espaço em outras unidades da rede. Hoje, está em 40 lojas. As vendas da empresa variam entre 30 e 35 mil pratos congelados por mês. O Carrefour é responsável por quase 40% deste total.
Sá está ampliando a capacidade de produção de sua empresa. A meta é produzir 50 mil pratos por mês e diversificar a base de clientes. Os primeiros negócios com o Wal- Mart já estão em andamento. Hospitais e hotéis também estão sendo procurados. "Hoje, quando prospecto um novo cliente e digo que atendo o Carrefour, as portas se abrem com muito mais facilidade", diz Sá.
Nesta ação de crescer por meio de uma carteira de clientes diversificada, o empresário pode estar dando o passo decisivo para a maturidade de seu negócio. "Atender um cliente grande é ótimo, mas concentrar suas vendas nele pode ser uma estratégia fatal para o futuro do negócio", diz Francisco Guglielme. Para o consultor, uma porcentagem de vendas superior a 15% dirigida a um único cliente já deve ser encarada como uma situação de risco. "Se você perde este cliente, seu negócio sofre um abalo", diz o consultor.
A situação não é incomum. Segundo o Sebrae, 4% das pequenas empresas que fecham anualmente em São Paulo tiveram suas atividades comprometidas após a perda de seu cliente principal.