Título: "Quem apostar em briga com Serra vai perder"
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2007, Política, p. A14

Não há hipótese de o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, demonstrar qualquer desconforto em relação às várias medidas tomadas pelo atual governador José Serra que questionam sua administração. Desde que tomou posse, Serra suspendeu todos os contratos e licitações do Estado para reavaliação e redimensionou programas da gestão anterior. Ontem, depois de palestra promovida por entidade empresarial, Alckmin falou ao Valor:

Valor: Desde a posse do governador José Serra, houve uma série de iniciativas da administração que geraram atritos entre aliados do senhor e do atual governo estadual. Está se estabelecendo uma indisposição entre o senhor e Serra?

Alckmin: Engraçado isso, não? Uma vez o (presidente nacional do PSDB, senador) Tasso Jereissati me disse: 'Lá no Ceará, tinha todo dia notícia de briga minha com o Ciro Gomes todo dia. Nunca houve uma briga'. Ele ex-governador, o Ciro governador.

Valor: Cabe então este paralelo? A relação do senhor com Serra é como a relação entre Tasso e Ciro?

Alckmin: A minha relação com Serra é muito boa, excelente. O que eu digo é que no tempo em que Tasso e Ciro eram do meu partido, todo dia, mas todo dia havia fofoca e nunca houve nenhum problema real. Assim está aqui em São Paulo. Agora mesmo eu e Serra vamos juntos a Brasília, participar de um jantar. O PSDB em São Paulo tem uma história de bons governos. Quem podia imaginar, quando (Mário) Covas assumiu em 1994 que íamos para dezesseis anos de governo em São Paulo? Seis anos de Covas, seis anos de Alckmin e agora quatro anos de Serra, em harmonia. É uma prova que a população aprova os governos.

Valor: Em algum momento o senhor não ficou exposto na opinião pública, como em episódios como o do acidente no metrô?

Alckmin: Absolutamente. Na questão do acidente, como em outras, o atual governador não me deixou a descoberto. No problema da linha 4, não estou exposto porque questões de segurança e fiscalização são obras cotidianas e eu estou fora do governo há um ano. Quem apostar em briga política entre Geraldo Alckmin e José Serra vai errar. Vai perder.

Valor: Mas não há um constrangimento instalado sobretudo na área da educação, com a descontinuidade de projetos do seu governo?

Alckmin: Não tenho visto soluções de continuidade. A própria Escola da Família não acabou, reduziu o número. Aí é uma decisão de governo, questão de prioridade de governo, cada governo escolhe, é natural isso. O programa é um sucesso, reconhecido internacionalmente, foi mantido. Não vi nenhuma mudança substantiva. Lógico que idéias e estilos são próprios e cada governador tem sua equipe, suas pessoas de confiança, isso é natural. Serra tem tudo para fazer um bom governo.

Valor: Na área da educação, o senhor conviveu com resultados que não são bons. O que ocorre agora não são ajustes a uma política que não funcionou?

Alckmin: Houve problemas na área de educação no Brasil inteiro. Não é só São Paulo não. Aqui se deu um passo importantíssimo. Havia filas de madrugada por falta de vagas, acabou tudo isso. Os alunos ficavam pouco tempo na escola...

Valor: A evasão caiu, mas a repetência quase que dobrou no ensino médio durante seu governo.

Alckmin Mas isto é importante: a evasão escolar caiu, os alunos estão deixando de abandonar a escola. Temos 7% de evasão no ensino médio e 0,6% no primeiro ciclo do ensino fundamental. Os alunos estão com cinco horas de aula por dia. Antes eram três horas, três horas e meia. Houve 50 mil professores contratados, a expansão das Fatecs, a USP da Zona Leste, foi feito muita coisa em meu governo. Isso é um processo e sempre precisa ser feito mais. Cada um dá uma pedalada.

Valor: O senhor afirmou que o PSDB deve fazer uma oposição sem tréguas ao governo federal, que uma trégua seria não compreender a lógica democrática. Atitudes como a tomada por Serra de apoiar a eleição do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT) não contradizem esta disposição?

Alckmin: Mas isto foi uma questão interna da bancada federal, não uma questão de governo. Quando se analisa o comportamento de governadores, há que se distinguir questões políticas das questões de governabilidade. O governador deve ter bom relacionamento com o governo federal. Esta relação é uma ação suprapartidária. A quem cabe fazer oposição? é ao o partido e às bancadas, senadores e deputados, não ao governador.

Valor: Muitos críticos dentro do próprio PSDB comentam que o partido está tomado por interesses muito regionalizados, perdendo um foco central, como o PMDB. O senhor concorda ?

Alckmin: Não, não. Acho que o PSDB não faz parte de uma oposição raivosa, mas tem tido uma postura coerente de oposição. Tanto que perdeu recentemente deputados para a base governista. (CF)