Título: Sobre o aquecimento do mercado de trabalho
Autor: Arbache , Jorge
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2012, Opinião, p. A18

Uma das mais populares indagações econômicas atuais no Brasil é: "Por que o mercado de trabalho continua tão aquecido, mesmo em períodos de menor crescimento econômico e quais são as consequências desse superaquecimento?" Fatores estruturais, conjunturais e institucionais ajudam a explicar o porquê.

A rápida transformação demográfica pela qual passa o Brasil já provoca desaceleração da taxa de crescimento da População em Idade Ativa (PIA), indicador que mostra a parcela da população total em idade para trabalhar. A PIA continua aumentando, mas cada vez menos. Em 2003 a PIA cresceu 1,78%, mas, em 2011, cresceu apenas 1,25%. Estima-se que esse indicador pare de crescer ainda antes de meados da próxima década. A População Economicamente Ativa (PEA), indicador que identifica a parcela da PIA que trabalha ou busca trabalho, já é elevada para padrões internacionais e é improvável que cresça significativamente nos próximos anos, mesmo entre mulheres e jovens. A PIA e PEA sugerem que o mercado de trabalho continuará aquecido.

Mudanças estruturais e aumento da demanda por bens e serviços também explicam o aquecimento. O setor de serviços tem sido particularmente beneficiado pelo aumento da renda familiar e pelo desenvolvimento regional, enquanto goza dos benefícios de uma barreira quase natural de proteção da competição internacional. Não por acaso, a participação do setor na economia já ruma aceleradamente para níveis de países desenvolvidos.

Situação é um risco para o crescimento sustentado e para a sedimentação das conquistas sociais

Como os serviços em geral são intensivos em força de trabalho pouco qualificada, a expansão do setor cria empregos, ajudando a elucidar as causas do aumento da demanda por trabalhadores. O setor foi responsável por 26,6% dos novos postos formais de trabalho criados no setor privado em 2003, mas, em 2011, essa participação já era de 51,1% e alcança 73,7% se adicionadas as novas vagas no comércio. A agricultura emprega cada vez menos devido ao uso intensivo de tecnologias e a mineração emprega muito pouco em termos nominais, embora o emprego no setor esteja crescendo. Já a indústria emprega bastante, mas está criando menos postos pela diminuição do seu dinamismo.

Fatores institucionais também contribuem para aquecer o mercado de trabalho. As características intervencionistas da legislação e do judiciário trabalhista nas relações de trabalho elevam o custo, engessam o mercado e constrangem o crescimento da oferta de trabalho com efeitos importantes em períodos de expansão econômica. Os contratos de trabalho em tempo parcial, por exemplo, aumentariam se a legislação fosse menos intrusiva, beneficiando especialmente donas de casa, jovens estudantes e idosos que gostariam de trabalhar nessas bases.

Quanto às consequências do aquecimento do mercado de trabalho, foi a principal causa da emergência da nova classe média; da redução da pobreza e da queda da desigualdade de renda.

Mas há, também, que se considerar suas consequências deletérias para a economia. A elevação dos salários reais num contexto de baixa produtividade do trabalho, como ocorre no Brasil, corrói a competitividade internacional, especialmente a dos setores mais intensivos em trabalho e mais expostos à competição global. Nesse grupo incluem-se as indústrias de artigos de couros e calçados, têxtil, vestuário, dentre outras. Mas setores que demandam trabalho mais qualificado também já enfrentam desafios.

Como consequência, várias indústrias têm tido dificuldades para competir com produtos importados e algumas delas já experimentam redução dos investimentos e do emprego.

A escassez e a elevação dos custos do trabalho já estão se transformando em componentes estruturais da formação de preços. De fato, os salários reais estão menos sensíveis às desacelerações e mais sensíveis às acelerações econômicas originando três importantes efeitos. O primeiro é que esse regime tende a elevar a taxa de inflação de equilíbrio. O segundo é que o mercado de trabalho está se tornando variável crítica para a determinação do crescimento com baixa inflação, com a agravante de que a sua influência deverá aumentar nos próximos anos. O terceiro é que aumenta os desafios do Banco Central de gerir a política de metas de inflação.

As consequências negativas do aquecimento do mercado de trabalho concorrem para aumentar os riscos e a exposição da economia a choques externos, limitar a rentabilidade dos investimentos, especialmente na indústria, fomentar a primarização da economia e constranger o aumento do produto potencial.

Se, no curto prazo, o aquecimento do mercado de trabalho beneficia os trabalhadores em geral e os menos qualificados em particular, no médio prazo é um risco para o crescimento sustentado e para a sedimentação das conquistas sociais dos últimos anos. É preciso, por isso, políticas convergentes que assegurem os benefícios e mitiguem os riscos, tarefa que requer ação combinada do governo, Congresso e setor privado para garantir a modernização da legislação trabalhista e aumento substancial da produtividade do trabalho. Para tanto, será preciso grande salto na qualidade da educação básica, ampliação da educação profissional e a articulação dessas políticas com políticas de saúde, infraestrutura, tecnologia, inovação, investimentos e outras que contribuam, direta e indiretamente, para elevar a produtividade do trabalho.

Por mais paradoxal que possa parecer, a atual crise econômica mundial favorece o Brasil ao permitir que o país ganhe mais tempo para introduzir e implementar políticas que reduzam custos e elevem a produtividade do trabalho. Mas é preciso senso de urgência e de oportunidade, como já demonstrado pelo governo com a desoneração da folha de salários e a criação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). E não devemos nos fiar que o relógio venha a parar novamente para nos esperar.

Jorge Arbache é assessor da presidência do BNDES e professor da Universidade de Brasília. Este artigo não representa necessariamente as visões do BNDES e de sua diretoria. jarbache@gmail.com