Título: Os aspectos positivos da Lei dos Partidos Políticos
Autor: Roma, Celso
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2007, Opinião, p. A22

As propostas de reforma política em tramitação no Congresso Nacional vislumbram a possibilidade de modificar a Lei dos Partidos Políticos no sentido de torná-los mais orgânicos. Entre as medidas sugeridas, destacam-se a punição, com a perda de mandato, aos parlamentares que trocam de legenda e a proibição de doação de particulares aos partidos. Esses projetos de lei, embora sejam bem intencionados, desconsideram que a legislação partidária já se orienta pelos princípios de fidelidade e de disciplina. A falta de organicidade de alguns partidos pode ser decorrente da falta de observância das normas vigentes.

A Lei nº 9096, promulgada em 19 de setembro de 1995, regulamenta o artigo 17 da Constituição Federal de 1988, referente aos partidos políticos, e revoga a antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos, de 1971, que sumarizava os dispositivos da Carta Magna de 1967 e da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, promulgados durante o regime autoritário. Apesar de o conteúdo da nova lei ser condizente com os direitos de liberdade de opinião e associação política e permitir que cidadãos criem autonomamente um partido político e estabeleçam suas regras de convivência interna, faz-se necessário cumprir exigências e submeter-se ao crivo do Tribunal Superior Eleitoral.

De acordo com o artigo 7 da Lei 9096, os partidos políticos devem ter caráter nacional, apoio de determinado número de eleitores e registrar seus estatuto e programa no TSE. Do contrário, a sigla está impedida de participar do processo eleitoral e da propaganda veiculada no rádio e na televisão e de receber a sua parcela das verbas oriundas do Fundo Partidário. Uma vez observadas essas disposições, o artigo 14 outorga que: "(...) o partido é livre para fixar, em seu programa, seus objetivos políticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura interna, organização e funcionamento". Ainda que reconheça a autonomia dos partidos, a legislação estabelece a fidelidade e a disciplina como as diretrizes que devem guiar a elaboração dos seus estatutos. Segundo o artigo 24, "na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto".

Essa lei prevê, também, um conjunto de penalidades que os parlamentares estão sujeitos ao descumprirem o estatuto do seu partido. O artigo 25 estabelece o que poderia ser feito para inibir esse tipo de conduta: "O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários". O artigo 26 acrescenta outra punição a ser aplicada aos parlamentares infiéis: "Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito". Se essas penas fossem aplicadas pelos órgãos partidários, elas certamente coibiriam a infidelidade e a indisciplina observadas na conduta de alguns filiados. Mais: se forem interpretados de maneira rigorosa, esses artigos sugerem a possibilidade de solicitar junto ao TSE a revogação do mandato dos parlamentares que desobedecem aos encaminhamentos do seu partido ou se desligam da legenda, pois, agindo dessa maneira, eles estariam sujeitos a penalidades que os impossibilitariam de exercer suas atividades representativas.

-------------------------------------------------------------------------------- Partidos têm todo o poder para punir aqueles que não obedecem orientações partidárias ou abandonam legenda --------------------------------------------------------------------------------

A Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, ainda que tenha sido elaborada basicamente para regular o processo eleitoral, alterou dois dispositivos da legislação anterior que tratavam da filiação partidária e da escolha das chapas de candidatos. A partir de sua validade, os filiados somente podem disputar uma vaga de candidato se estiverem filiado ao seu partido há pelo menos seis meses. Os partidos devem registrar no Diário Oficial da União, com 180 dias de antecedência, as mudanças das regras da escolha de candidatos. Pretende-se, com isso, evitar as alterações casuístas no regulamento partidário às vésperas de uma eleição. Os demais artigos reforçaram o princípio da hierarquia que deve existir entre a instância partidária nacional e as locais. Destaca-se, por exemplo, que as coligações costuradas pelas comissões estaduais, em desacordo com a orientação do diretório nacional, devem ser declaradas nulas de imediato.

A última alteração da legislação partidária foi de autoria do Supremo Tribunal Federal, que julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), de nº 2530, abolindo o artigo 8 da Lei 9096, o qual versava sobre a "candidatura nata". Essa norma garantia ao deputado federal, ao deputado estadual e ao vereador uma vaga automática na lista de candidatos do partido. Com a sua revogação, reforçou-se o preceito de que os colegiados dos partidos devem selecionar quem serão seus candidatos para a disputa das eleições, seguindo os seus estatutos. O pleno do STF, entretanto, transigiu ao acatar as ADIs (1351 e 1354), considerando inconstitucional a cláusula de barreira, que instituiria uma nova exigência para que os partidos tivessem direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos do Fundo Partidário e da propaganda eleitoral no rádio e na televisão.

Resumindo, a atual Lei dos Partidos Políticos reúne dispositivos que, se forem cumpridos com rigor, podem contribuir para o propósito dos reformistas de tornar as organizações partidárias mais sólidas e ao mesmo tempo preservar a autonomia delas em definir os seus programas e estatutos. Em vez de propormos reformas que dificilmente podem ser efetivadas, talvez fosse mais producente concentrar a atenção no cumprimento das leis já existentes.

Celso Roma é doutor em ciência política pela USP. Atualmente participa do Programa de Formação de Quadros Profissionais do CEBRAP.