Título: Vamos precisar muito da União, diz Geraldo Julio
Autor: Camarotto , Murillo
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2012, Especial, p. A18

Eleito em primeiro turno sob as bênçãos do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), o próximo prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), terá sobre os ombros a partir de 1º de janeiro a responsabilidade de preparar a cidade para ser a grande vitrine do padrinho em 2014, caso Campos decida mesmo se candidatar à Presidência da República. Passada a eleição municipal, Julio se depara agora com os problemas práticos, sendo o principal conseguir dinheiro para entregar todas as promessas de campanha, que não foram poucas.

Formado em administração de empresas, o próximo prefeito do Recife tem 41 anos, dos quais 14 ao lado da cardiopediatra Cristina Melo, com quem tem três filhos. Geraldo Julio é filho de militantes políticos de esquerda e ingressou no serviço público em 1989, quando foi aprovado no concurso do Tribunal de Contas de Pernambuco. Na administração de Eduardo Campos, foi secretário estadual de Planejamento e Gestão e, mais tarde, de Desenvolvimento Econômico. Jamais havia disputado uma eleição.

Antes mesmo de assumir o cargo, ele já está à caça de recursos. Em entrevista ao Valor, afirmou ter conseguido R$ 137 milhões em emendas com a bancada pernambucana no Congresso. O recurso será utilizado na construção do Hospital da Mulher e de seis Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) voltadas a consultas especializadas e exames, aparelhos prometidos durante a campanha. Julio também já garantiu R$ 10,5 milhões com o Ministério do Trabalho para um programa de capacitação profissional.

O prefeito eleito do Recife está "muito preocupado" com o fôlego financeiro do município, cuja capacidade própria de investimento não tem passado dos R$ 200 milhões por ano, incluindo todas as contrapartidas exigidas em convênios com o governo federal. "É muito pouco diante das necessidades do Recife. Vamos precisar muito da União e do governo do Estado", adianta Geraldo Julio, que assim como tem feito o seu padrinho, defende uma reforma no pacto federativo que dê maior autonomia financeira a Estados e municípios.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: Após uma disputa tão acirrada com o PT nas eleições municipais, como está transcorrendo o processo de transição?

Geraldo Julio: A transição está tranquila. A disposição do prefeito [João da Costa] é colaborativa e ele tem cumprido. No que lhe foi possível, abriu as portas e deu acesso às informações. Estamos mais preocupados com o que é urgente para janeiro, como o ano letivo nas escolas, o carnaval e a manutenção do atendimento no sistema de saúde. Também nos preocupa muito a análise do cenário fiscal e do cenário econômico, como preocupa a todos os municípios.

"A prefeitura investe hoje menos de R$ 200 milhões por ano, o que é muito pouco para as necessidades do Recife"

Valor: Como encontrou as finanças do Recife?

Geraldo Julio: O cenário fiscal está muito apertado. A situação é muito grave para o Recife. Não sobra recurso para investimento próprio e ficamos muito dependentes da União e do governo do Estado. Mas, até onde eu pude verificar, as contas estão em dia. Só que a prefeitura investe hoje menos de R$ 200 milhões por ano, o que é muito pouco diante das necessidades do Recife. Sem geração própria de caixa, não há dinheiro para as contrapartidas. Vamos precisar muito da União e do governo do Estado.

Valor: O que o senhor pretende fazer para ampliar a capacidade própria de investimento?

Geraldo Julio: Consegui na semana passada com o Ministério do Trabalho R$ 10,5 milhões para a capacitação de 3 mil pessoas em seis meses. A prioridade deverá ser dada a funções ligadas às necessidades da Copa das Confederações, como hotelaria e restaurantes. Mas ainda não está definido. Estou conversando com o governo estadual para evitar sobreposição de projetos.

Valor: O que mais?

Geraldo Julio: Também me reuni no último dia 6, em São Paulo, com o Jorge Gerdau e acertamos o convênio com o Movimento Brasil Competitivo para Recife. Será elaborado um pacote de apoio à área de receitas e despesas, como é feito usualmente, mas também para as áreas de manutenção urbana e análise de projetos. A demora na aprovação de projetos muitas vezes afugenta o investidor e atrasa os benefícios. A expectativa é que o convênio seja assinado em janeiro e que o trabalho comece em fevereiro.

Valor: Também vai haver corte no custeio?

Geraldo Julio: Vai ser reduzido o número de secretarias. A nova composição, no entanto, ainda está sendo definida. Obedecerá às necessidades da cidade e às metas que forem estabelecidas. Hoje são 22 secretarias.

Valor: O corte também atingirá o funcionalismo?

Geraldo Julio: Vai haver redução no quadro de funcionários comissionados, mas ainda não há definição sobre a intensidade desse corte. Vai depender da nova estrutura, que deve estar definida nos próximos dias.

Valor: Mas vai haver dinheiro para o cumprimento de todas as promessas de campanha?

Geraldo Julio: Vamos cumprir todos os compromissos. Por exemplo, já consegui um acordo com a bancada pernambucana na Câmara e no Senado que garantiu R$ 137 milhões em emendas individuais e de bancada. Esse dinheiro garante a construção do Hospital da Mulher e das UPAs [Unidades de Pronto Atendimento] Especialidades. Em fevereiro começa a procura pelo terreno do hospital e ainda em 2013 ele começar a ser construído.

Valor: Desde o fim da eleição municipal, o governador Eduardo Campos vem empunhando a bandeira de um novo pacto federativo. Como o senhor, agora uma liderança política, se posiciona a respeito?

Geraldo Julio: Acredito que deve haver o debate. Se a gente for ver como foi feita a distribuição do bolo, na Constituição de 1988, as receitas que compõe o FPE e o FPM representavam dois terços do total de receitas da União. Hoje representam menos da metade, ou seja, houve concentração. Os municípios, especialmente os menores, perderam capacidade de fazer investimentos e ficaram totalmente dependentes do governo federal para investir em saneamento e urbanização, por exemplo. Isso é uma crise que o país está vivendo. Precisa ser discutida a recomposição dessas contas. Uma das alternativas é a questão dos royalties [do pré-sal].

Valor: A campanha falou muito em mudança. Quão profunda será essa mudança?

Geraldo Julio: Como nosso programa de governo é diferente do atual, vamos moldar a estrutura administrativa ao nosso programa de governo. O meu governo terá um padrão de gestão mais avançado. O quadro atual em termos de gestão é problemático. Teremos metas pactuadas claramente, metas que serão transformadas em projetos.

Valor: Com o grande número de partidos que apoiou sua candidatura, será possível montar uma equipe técnica capaz de tirar do papel esses projetos?

Geraldo Julio: Um conjunto de partidos se uniu para oferecer uma alternativa de mudança. Agora todos, e não somente eu, têm a responsabilidade de fazer a transformação prometida. Ninguém vai participar que não seja pra fazer as coisas acontecerem. Vai funcionar na base da meritocracia. Mas tenho interesse que todos os partidos participem e sei que todos querem participar.

Valor: Pelo menos na Câmara Municipal, o senhor deve ter apoio maciço.

Geraldo Julio: A Frente Popular [grupo de partidos que apoiou Geraldo Julio] fez 24 dos 39 vereadores e já estamos conversando com outros. A expectativa é positiva.

Valor: Pesa sobre a sua administração a responsabilidade de tornar o Recife uma vitrine para o governador em 2014, caso ele seja candidato a presidente. O que pensa sobre isso?

Geraldo Julio: O PSB não é mais um partido regional. E é claro que vai ter um olhar sobre o Recife, mas também sobre as outras capitais administradas pelo partido. O PSB tem feito gestões bem avaliadas e é natural que sejamos observados. Quanto a 2014, acredito que essa questão está sendo mais explorada do que deveria. Estamos na base de apoio da presidente Dilma e temos sido muito fiéis ao longo dos anos. Estamos felizes com o crescimento do partido, mas é muito cedo pra falar em 2014.