Título: Combustível da discórdia
Autor: Vieira, Catherine e Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2007, EU & Investimentos, p. D1

Além da relação de troca da incorporação das empresas do Grupo Ipiranga pela Ultrapar, Braskem e Petrobras, que já suscitou questionamentos entre acionistas minoritários, agora é a vez dos investidores que detêm ações da petroquímica Copesul fazerem reclamações a respeito da oferta de cancelamento de registro da companhia, incluída na operação. Um deles já se queixou à CVM, que analisa o caso.

Ontem o vice-presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), Reginaldo Alexandre já questionara, em artigo no Valor, a necessidade de uma oferta de "tag along" - pagamento de parte do prêmio de controle - para os detentores de ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Copesul antes da operação de fechamento de capital da empresa. Hoje, o controle da companhia é compartilhado, por um acordo de acionistas, entre Ipiranga Petroquímica, que detém 29,46% do capital votante, e Braskem, com outros 29,46%. A Petrobras Química (Petroquisa) tem 15,63% da Copesul, mas não faz parte do acordo.

Para o executivo da Apimec, haveria transferência de ações integrantes do bloco de controle, uma vez que a Copesul passa, com a operação, a ser controlada pela Braskem. "É uma mudança na composição do controle com transferência de ações, antes o poder era compartilhado, agora será um novo quadro, e ainda pode surgir um novo acordo de acionista, com a Petrobras", avalia. "Esse caso é bem semelhante à operação de compra da participação da Petros e da Previ na Acesita pela Arcelor, que já era acionista da empresa."

Pelo fato relevante da aquisição, Petrobras e a Braskem passarão a deter os ativos petroquímicos, representados pela Ipiranga Petroquímica, e a participação desta na Copesul, na razão de 60% para a Braskem e 40% para a Petrobras.

Por conta da reclamação do investidor, a autarquia iniciou na terça a análise do caso em uma das gerências subordinadas à Superintendência de Registro (SRE). O objetivo é fazer a "análise de aquisição e alienação de ações realizadas pelo acionista controlador", relativa à Copesul. O superintendente de registro, Carlos Alberto Rebello Sobrinho, explicou que está sendo feita uma análise da operação para checar se ela se enquadra ou não no artigo 254-A da Lei das SA. "É um trâmite normal, já analisamos diversas operações propostas", diz ele, lembrando que em muitos casos verifica-se que a operação está conforme e a análise é arquivada. Quando há uma discordância da área técnica, a companhia é comunicada. Neste caso, a empresa pode contestar esse entendimento.

A Braskem informou em nota que a Ipiranga não detinha o controle da Copesul e, por isso, a operação não pode se caracterizar alienação de controle. A alienação, diz a empresa, aconteceu dentro do bloco de controle, já que a Braskem era uma das empresas que controlavam a Copesul. "Além disso, o valor ofertado pela Braskem para as ações da Copesul está acima do valor de mercado e valor econômico."

A discussão sobre o "tag along" e o artigo 254-A vem ganhando corpo nos últimos anos. A advogada e ex-diretora da CVM, Norma Parente, lembra que a principal discussão é em torno dos casos em que há um aumento de percentual de um dos que já detêm participação na empresa. "É uma discussão válida e longe de um consenso", diz. "É preciso ver, por exemplo, a questão da avaliação do ativo e do sobrepreço, ou seja, se o vendedor usufruiu de algum benefício maior."

Para um gestor ouvido pelo Valor, que tem ações da Copesul, sendo a oferta de fechamento de capital ou de troca de controle, a operação pode ser rejeitada em função do preço apresentado. "Achamos que R$ 37,60 é baixo demais, muito menos do que vale a empresa, e como a oferta depende da adesão de dois terços dos minoritários, ela não deve passar", diz. Para esse gestor, os controladores terão de fazer uma nova oferta, com um preço mais alto. "Se não, não conseguirão levar adiante as sinergias que teriam com o fechamento de capital", diz. A questão é se os controladores vão aceitar dividir os ganhos de controle com os minoritários. "Do jeito que está, eles não estão dividindo nada", reclama o gestor.

Em paralelo, continua a discussão dos acionistas preferenciais das empresas do Grupo Ipiranga, que reclamam da relação de troca na incorporação pela Ultrapar. Eles ainda aguardam o laudo que vai balizar a operação para avaliar se e como vão contestar o caso.

Os responsáveis pela aquisição da Ipiranga, por sua vez, iniciaram uma peregrinação junto aos principais investidores preferencialistas, incluindo fundos e gestores. O objetivo é convencê-los de que a operação foi boa, mesmo com um prêmio na relação de troca só para os donos de ON. Um dos argumentos usados pelos estruturadores é o fato de as ações PN das empresas do Grupo Ipiranga não terem despencado, mas sim subido após o anúncio. Ipiranga Petróleo PN subia 1,63% do dia 15 até ontem.

"As ações não caíram mais porque já estavam fortemente descontadas", diz Luiz Fernando Figueiredo, presidente da Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec). Para ele, a questão é que quando o investidor compra uma ação, seja ordinária ou preferencial, está correndo o risco da empresa. "Mas quando há um evento desses, de troca de controle, e uma ação se valoriza tanto e a outra cai, isso muda tudo."

Outro argumento dos organizadores da operação é que quem comprou ações PN sabia que não teria direito a prêmio de controle. Por isso, pagaram mais barato pelos papéis do que pagariam pelas ONs. Luis Stuhlberger, sócio da Hedging-Griffo, um dos maiores detentores de papéis do Grupo Ipiranga, com R$ 150 milhões em ações PN em fundos, admite que sabia que o papel tinha risco de troca de controle e confusão entre minoritários e controladores. "Mas era um papel muito barato em relação ao potencial da empresa, que poderia triplicar as margens de retorno com uma boa gestão e isso daria um grande ganho para as ações", diz. Segundo ele, foi um risco calculado. "Você pode escolher entre um papel barato com confusão e um tranqüilo e caríssimo".

Para o presidente do grupo Ultra, Pedro Wongtschowski, os minoritários estão, pouco a pouco, se dando conta de que a troca de ações da Ipiranga por papéis do Ultra é benéfica. "Esses acionistas vão sair de três companhias abertas, de baixa liquidez e com uma estrutura acionária de participações cruzadas para um grupo com portfólio semelhante, mas melhor, em que os benefícios econômicos dos sócios preferencialistas são iguais aos dos controladores e fundadores, inclusive dividendos e preço por ação", disse o presidente da Ultrapar, ao participar da entrega do prêmio Executivo de Valor.

Executivos que participaram da formatação da operação ressaltaram, ainda, que os papéis PN da Ipiranga já eram negociados com desconto em relação aos seus pares por conta da ausência de "tag along". "Isso acontece também em outros setores. É sabido, por exemplo, que os papéis do Unibanco são penalizados em relação aos de Bradesco e Itaú porque a instituição não dá 'tag along'. Isso se chama risco de mercado. É a regra do jogo".