Título: AmBev compra fábricas da Cintra
Autor: D'Ambrosio, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2007, Empresas, p. B1

A AmBev anunciou ontem a compra das duas fábricas da Cintra por US$ 150 milhões, conforme antecipou o Valor. A venda foi estruturada de tal forma que, a princípio, a cervejaria não incorpora as marcas e os ativos de distribuição. José de Souza Cintra tem a opção de venda da marca até o dia 28 de outubro e caso não o faça, a AmBev paga mais US$ 10 milhões por ela.

Líder de mercado com 67,2%, a AmBev enfatizou que o objetivo da compra é ampliar a capacidade produtiva e atender a demanda crescente, principalmente de refrigerantes e da marca H20H!.

Nas fábricas de Piraí (RJ) e Mogi Miri (SP), a Cintra reúne capacidade de 420 milhões de litros de cerveja e 280 milhões de hectolitros de refrigerantes. Segundo os cálculos do analista Márcio Kawasaki, do banco Fator, isso representa apenas 5% da capacidade produtiva da AmBev em cervejas e 8% em refrigerantes. A AmBev já conta com 30 fábricas no Brasil. A de Campo Grande, no Rio de Janeiro, é a maior da América Latina, e produz todas as marcas da empresa, tanto de cerveja quanto refrigerantes.

"A Cintra é muito pequena, esse foi claramente um movimento defensivo para barrar o crescimento das outras", afirma Kawasaki. Segundo o analista embora a participação de 1,1% seja pequena para a líder, faria muita diferença para empresas como Petrópolis, dona de 7,5%, e Schincariol, com 12,7%. "Podemos encarar esta aquisição como sendo uma estratégia defensiva por parte da AmBev, pois impediu um movimento de consolidação por parte de seus principais concorrentes", informou a Brascan Corretora em relatório.

O valor pago pelas fábricas foi considerado baixo. Segundo o analista do Fator, a empresa pagou US$ 36 por hectolitro e se fossem construir uma estrutura própria, a empresa pagaria cerca de US$ 55. Os analistas julgaram a compra positiva e aumentaram o preço-alvo da ação em cerca de 20%.

Embora a participação da Cintra seja pequena, o setor avalia que a venda foi feita sem a marca num primeiro momento para evitar problemas com o Cade. Ainda assim, segundo advogados antitruste, o aumento da capacidade produtiva também agrega mercado e, eventualmente, pode ser entendido como concentração.

Ontem mesmo, a AmBev fez um movimento institucional importante. O presidente da AmBev, Luiz Fernando Edmond, esteve com o presidente Lula e anunciou o maior investimento da história da cervejaria: R$ 5 bilhões nos próximos cinco anos. (Ver texto abaixo)

Até expirar o prazo de venda da marca, nos próximos sete meses, a AmBev continuará produzindo as marcas de cerveja da Cintra - Cintra e Mulata - que utilizam apenas 50% da capacidade instalada das fábricas. Em refrigerantes, a Cintra usa apenas 0,36% da capacidade instalada, o que permitirá à AmBev aumentar a sua produção de refrigerantes tão logo assuma as plantas. Segundo Milton Seligman, diretor de assuntos corporativos da AmBev, ainda não há data prevista para assumir as fábricas.

Segundo Seligman, a opção de venda da marca fez parte do contrato porque tanto a AmBev, quanto José de Souza Cintra acreditam que outras empresas tenham mais interesse na marca. "Acredito que o valor de venda seja maior do que US$ 10 milhões", disse Seligman. A Schincariol negocia a marca e duas outras empresas estrangeiras estão interessadas no ativo.

Os benefícios fiscais da fábrica da Cintra de Piraí também são vistos como um atrativo importante para a AmBev. Com a compra, a empresa irá incorporar um crédito de ICMS de cerca de R$ 710 milhões para serem usados em seis anos. "Os incentivos fiscais são parte característica dos investimentos produtivos do Rio de Janeiro, todas as fábricas de lá têm." Em relatório, a Merryll Lynch destacou o crédito fiscal como o principal diferencial do negócio. "A AmBev pode amortizar até 70% do ICMS anual com esse crédito fiscal", informou a corretora. "Isso já começa a beneficiar o lucro de imediato."

Os revendedores Cintra, cerca de 50 em todo o Brasil, se organizaram e estão preocupados com o futuro. Pelo contrato de venda assinado com a AmBev, a distribuição será negociada junto com a marca. "A distribuição ficará à cargo do novo comprador", disse Seligman.

A cervejaria da Cintra em Portugal não fez parte do negócio. Ela já havia sido vendida para um fundo de private equity português.

Segundo fontes, a Petrópolis tentará todos os recursos judiciais para evitar a venda anunciada ontem. Jaime Luis Tronco, gerente jurídico da Petrópolis, diz que a empresa obteve na segunda-feira um agravo de instrumento restaurando a liminar - que havia sido derrubada pela Cintra - que impede a venda. A AmBev informou que não há qualquer decisão judicial impedindo a venda.