Título: Muito além da COP 16
Autor: Nunes, Malu
Fonte: Correio Braziliense, 01/12/2010, Opinião, p. 19

Engenheira florestal, mestre em conservação da natureza e diretora executiva da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza

No ano passado, assistimos à 15ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 15) terminar sem que um acordo de redução na emissão de gases do efeito estufa fosse assinado. Neste exato momento, em Cancún (México), uma nova conferência do clima é realizada.

As expectativas em torno desse encontro não são grandes. Sabemos que só no fim de 2012, quando estará encerrado o primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto, é que será provável termos um novo acordo climático.

Além do jogo político e da oposição que a China e os Estados Unidos, os dois maiores emissores de gases do planeta, exercem nas discussões, a demora na definição de um acordo sobre o clima ocorre porque as decisões são estabelecidas depois da aprovação por consenso de todos os países-membros. Embora seja difícil de ser obtido quando estão em jogo realidades tão díspares, o consenso é possível. Prova disso é o resultado surpreendente da última Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 10/CDB), realizada em Nagoya, em outubro, com a adoção de plano estratégico para o período de 2011 a 2020, com 20 objetivos para combater a redução da biodiversidade do planeta, e a assinatura do Protocolo de Nagoya, que estabelece regras para o acesso e a repartição dos benefícios e recursos genéticos da biodiversidade, e que pode ser considerado um dos principais acordos ambientais do mundo desde a formulação do Protocolo de Kyoto, em 1997.

Com suas conquistas, a COP 10/CDB revitalizou a expectativa de estabelecimento de acordo na Convenção do Clima. Sabemos que a tendência é que a aprovação seja postergada até o último momento possível, mas a espera terá valido a pena se o acordo, quando ocorrer, realmente for efetivo no sentido de direcionar o mundo para uma sociedade de baixo carbono e encarar o tema da conferência a partir dos efeitos sobre a biodiversidade do planeta.

Mudanças climáticas e diversidade biológica são temas intrinsecamente ligados, embora tratados em separado nas convenções da ONU. As mudanças climáticas são uma das cinco principais pressões que conduzem, diretamente, à perda de biodiversidade. Temperaturas mais quentes, eventos climáticos extremos e alterações dos padrões de chuva e de seca são exemplos dos impactos das mudanças climáticas e que colocam em risco milhares de espécies animais e vegetais. Por seu lado, a biodiversidade protegida constitui-se uma contribuição fundamental para conter as mudanças climáticas, possibilitando que os ecossistemas absorvam e armazenem mais carbono, reduzindo os impactos negativos e tornando os ecossistemas mais resistentes aos seus impactos.

No entanto, a mitigação das mudanças climáticas por meio de ações de conservação da biodiversidade ainda não está presente nos acordos da Convenção do Clima. Uma das expectativas, nesse sentido, é que o acordo a ser firmado em 2012 contemple os dois temas em conjunto. As negociações em torno dos mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) já apontam para essa convergência, uma vez que a proposta é de compensar financeiramente os países em desenvolvimento por reduções voluntárias e comprovadas de suas emissões por meio da conservação das florestas.

Entre todas as necessidades que visualizamos em matéria de conservação, a convergência de discussões e decisões que envolvam a biodiversidade e as mudanças climáticas é a mais urgente. Do ponto de vista financeiro, inclusive. Em um cenário em que há pouco recurso disponível para a conservação, as possibilidades de investimento precisam ser direcionadas estrategicamente para que o benefício seja maior.

Importa, enfim, que as discussões visualizadas nas conferências da ONU para o meio ambiente levem os governos a agir imediatamente para que possamos alcançar as mudanças esperadas. Essa responsabilidade também é do setor privado, a força motriz do crescimento do país, do qual se espera uma liderança responsável, participativa e inovadora. Os acordos, quando efetivamente colocados em prática, definirão o rumo que o mundo passará a trilhar a fim de prevenir a devastação da natureza e a extinção de milhares de espécies. Por trás disso tudo está uma necessidade, sempre emergencial e importante, que não é outra senão a perpetuação da vida no planeta.