Título: A nova série do PIB brasileiro
Autor: Considera, Claudio M.
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2007, Opinião, p. A12

Hoje o IBGE divulga contas nacionais brasileiras. De forma inédita, o IBGE vem já há algum tempo antecipando em sua página da Internet a metodologia dessa revisão (75% dos textos já estão disponíveis). Portanto, todos nós, interessados nos agregados macroeconômicos brasileiros, dos quais o PIB é o mais importante, devemos ler a metodologia e atentar para as profundas transformações que teremos, sob o risco de nos surpreendermos com as mudanças. Essa surpresa poderá até se transformar numa incompreensível reação de crítica com as novidades - algo muito comum, quando se trata do IBGE, embora injusta de acontecer com nosso independente, criterioso e competente instituto de estatística.

As alterações metodológicas anunciadas significam uma grande melhoria no sistema brasileiro de contas nacionais. A mais palpável delas é a mudança de concepção de não existir mais um ano base em que a estrutura econômica evolui pela evolução de preços e quantidades; isso será possível pelo aproveitamento das pesquisas anuais, do próprio IBGE, da indústria extrativa e de transformação, da construção, do comércio etc. Essas pesquisas, em conjunto com as informações do IRPJ que já vinham sendo usadas, darão uma nova conformação ao valor absoluto da produção da economia, permitindo uma acuidade maior para essa informação. O resultado disso deverá ser o aumento do valor do PIB que hoje conhecemos, pois as pesquisas mensais do IBGE, em que essa informação se baseava, ainda não têm muita facilidade em incorporar novas empresas à amostra inicial, embora a retirada das que desaparecem seja imediata. Ciente do tipo de suspeita que poderia pairar sobre tal resultado, o Instituto se preocupou em retroagir essa nova base de informações ao ano de 1995, tornando os resultados comparáveis.

As informações referentes à atividade agropecuária serão desagregadas em lavoura e produção animal. O consumo da intermediação financeira será distribuído pelas famílias e pelas diversas atividades, desaparecendo a famigerada dummy financeira que mascarava o destino dos serviços prestados por esse setor, o que tende a elevar o PIB pelo valor que for destinado ao consumo das famílias. O valor da produção das administrações públicas, que era anteriormente calculado de forma líquida, se equiparará aos demais valores de produção ao se acrescentar a ele uma estimativa de depreciação e, mais importante ainda, a quantidade física de seus serviços deixará de ser medido pelo crescimento da população e terá um indicador próprio, baseado nas recomendações internacionais, passando a considerar o consumo intermediário, a depreciação e o número de empregados em seu cálculo. A parcela da formação bruta de capital fixo referente à construção terá seu cálculo melhorado graças à incorporação da pesquisa anual da indústria da construção. A composição do PIB por setores de atividade deverá também se alterar: o setor de serviços, que era muito mal medido, poderá aumentar, provavelmente ganhando participação, sem que isso signifique desindustrialização, como alguns gostam de sensacionalisticamente caracterizar.

Com essas transformações, vários indicadores da economia brasileira tendem a sofrer mudanças (aumentando ou diminuindo) que podem ser significativas. Com provável aumento do PIB, os tradicionais indicadores de carga tributária, dívida, superávit primário em relação ao PIB deverão cair. O mesmo ocorrerá com os indicadores que relacionam o PIB com valores do Balanço de Pagamentos e todos aqueles cujos numeradores têm seus valores calculados independentemente e com maior acuidade.

-------------------------------------------------------------------------------- Com o provável aumento do PIB, os indicadores de carga tributária, dívida, superávit primário em relação ao PIB devem cair --------------------------------------------------------------------------------

O que ocorrerá com outros dois tradicionais indicadores, a taxa de investimento e a taxa de poupança? Embora a melhoria das informações da construção (parte da formação bruta de capital) possa fazer com que seu valor aumente (ou mesmo diminua), provavelmente seu aumento será proporcionalmente menor do que o do PIB, acarretando uma redução na taxa de investimento, que se conhece, em relação ao PIB. Por sua vez, como as exportações e importações não devem se alterar, e mesmo que a formação bruta de capital se eleve (proporcionalmente menos do que a elevação do PIB), o resultado será um consumo maior das administrações públicas e provavelmente das famílias. Portanto, a taxa de poupança em relação ao PIB tende a se reduzir. É importante salientar que esses dois indicadores fariam mais sentido, em termos macroeconômicos, se calculados em relação à renda disponível, significando o percentual do produto apropriado pelos residentes que foi poupado e quanto foi investido.

Mudanças importantes também ocorrerão nas informações do PIB trimestral; assim sendo, o valor que foi informado no último dia 28 de fevereiro terá vida curta e dará lugar a um novo, que será anunciado em 28 de março. Isso ocorrerá, pois, conforme está previsto na metodologia, a estrutura da produção física usada no PIB trimestral, ao invés de se basear no longínquo ano de 1985 (atual), será aquela obtida anualmente a partir da nova série, e será introduzida no PIB trimestral com defasagem de dois anos. Isto significa que, quando se conhecer a estrutura da produção física de 2004 do PIB anual (hoje), a estrutura da produção física que passa a vigorar no PIB trimestral no período de 2004 em diante será a baseada na do ano de 2004 até que se tenha a de 2005, em outubro de 2007.

Outras mudanças aqui não mencionadas darão maior acuidade às contas nacionais brasileiras. Não faltarão emoções e reclamações (no Brasil o passado é incerto), mas o mesmo ocorre nos países mais avançados em termos de cálculo de contas nacionais: as transformações são periódicas de maneira a incorporar melhores estatísticas e registros administrativos, bem como novas metodologias. O IBGE está de parabéns, mas em outros setores precisará agilizar a atualização da composição das pesquisas mensais, notadamente a da indústria e a implementação de uma pesquisa mensal de serviço a fim de evitar que a série do PIB trimestral sofra alterações muito grandes quando tiver sua base modificada pelas pesquisas anuais.

Claudio Monteiro Considera é professor de economia da Universidade Federal Fluminense e foi chefe de Contas Nacionais do IBGE de 1986 a 1992.