Título: Negociação sob suspeita
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2007, EU & Investimentos, p. D1

As suspeitas de vazamento e uso de informações privilegiadas em negócios com ações do Grupo Ipiranga reforçaram a preocupação com a facilidade com que pessoas com acesso a dados importantes das companhias tiram proveito de sua condição de "insiders". Depois dos casos envolvendo as operações de Sadia e Perdigão, e, há mais tempo, de Embraer, gestores e profissionais do mercado vêem a situação como preocupante no momento em que a bolsa ganha espaço entre investidores locais e estrangeiros.

Como nas boas histórias de detetives, os criminosos do mercado de capitais sempre deixam um rastro que aparece nos volumes negociados e nos ganhos das ações. Por isso, a ordem dos Sherlocks e Poirots do mercado é seguir a trilha do dinheiro. E, no caso da operação do Grupo Ipiranga, é uma bela trilha. Olhando os volumes negociados na semana anterior ao anúncio da operação, é difícil encontrar alguém no mercado que acredite que não houve vazamento de informações. "O aumento dos volumes nas ações ON - as que mais ganharam com o negócio - da Ipiranga Distribuidora e Ipiranga Refinaria é gritante, ainda mais porque são papéis pouco negociados", afirma um executivo.

No caso da ordinária (ON, com direito a voto) da Ipiranga Distribuidora, o volume financeiro negociado na sexta-feira foi de apenas R$ 347 mil. Mais da metade das operações feitas em uma única corretora que, por lei, só pode divulgar o nome do cliente à bolsa e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No caso da Refinaria Ipiranga, o volume foi maior, R$ 13 milhões, pulverizado entre várias corretoras, sendo que as três principais negociaram R$ 5 milhões. Os valores, baixos para os padrões do mercado, reforçam a idéia de que foram investidores individuais que aproveitaram as informações. "São várias famílias, muita gente envolvida na negociação, é difícil evitar que alguma coisa vaze", afirma um gestor.

A coisa foi tão descarada que a CVM agiu já na sexta-feira para entender o que estava acontecendo, lembra Marcelo de Sampaio Marques, chefe de gabinete da Presidência da autarquia. A CVM já começou a levantar a relação fornecida pela Bovespa com os nomes de compradores e vendedores dos papéis das três empresas do Grupo Ipiranga nos dias 14, 15 e 16 de março, precisamente quarta, quinta e sexta-feira passadas, que precederam a assinatura do contrato de compra e venda para Braskem, Ultrapar e Petrobras.

Marques considera que é difícil precisar quanto tempo será gasto neste tipo de apuração, mas garante que a CVM pretende ter resultado dessa investigação o mais rápido possível. "Se constatarmos fortes indícios de informação privilegiada, vai ser proposto um inquérito, e há grandes chances para isso, ainda mais que se tratam de papéis pouco negociados."

Apesar das várias denúncias de "insiders", as punições no mercado brasileiro foram poucas e a demora dos processos é um fator que ajuda a passar para o mercado a sensação de impunidade. Assim, enquanto a SEC, a CVM americana, já identificou, julgou e multou o diretor financeiro da Sadia Luiz Murat por uso de informação privilegiada, a CVM brasileira ainda não tem previsão para o fim do julgamento. "Temos o máximo interesse em ter uma conclusão da investigação o mais rápido possível, mas lá fora a SEC tem condições que aqui não temos, como a possibilidade de quebra de sigilo financeiro e telefônico e o poder de polícia", afirma Marques. Aqui, a CVM age na esfera administrativa e envia o processo para o Ministério Público tomar as medidas legais.

A ação dos "insiders" tupiniquins foi documentada em um estudo preparado pelos professores Ricardo Rochman e William Eid Júnior, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Eles selecionaram empresas com boa governança, com ações nos níveis 1 e 2 e no Novo Mercado da Bovespa, de 2002 a 2004, avaliaram as operações feitas pelas pessoas ligadas às companhias, "insiders". São diretores, gerentes, assessores, consultores, conselheiros, parentes e pessoas que estejam na declaração de renda como dependentes. Todos têm de informar qualquer negociação de ações da empresa.

"Chegamos à conclusão que os 'insiders' das empresas sabem escolher a melhor data de compra e venda das ações", diz Rochman. O ganho, afirma ele, é em média de 2% acima do mercado. "O problema é que esse é o número do que é público, imagine o que não é, quando o 'insider' liga para o advogado, o amigo ou parentes fora da lista de dependentes, que a empresa não precisa divulgar, e faz a venda fora", diz. Nesse ponto, a negociação feita pelo diretor da Sadia, em nome próprio e nos EUA parece ingenuidade. Rochman lembra que só o aumento do volume negociado não é prova de insider. "Mas mostra que tem alguma coisa anormal".

(Colaborou Vera Saavedra Durão, do Rio)