Título: Súmula exige planejamento orçamentário da Fazenda
Autor: Teixeira, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2007, Legislação & Tributos, p. E1

Criada inicialmente para evitar a resistência de juízes rebeldes à posição do Supremo Tribunal Federal (STF), a súmula vinculante acabou virando um instrumento de política pública. Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, o projeto constitucional da súmula ganhou um adendo para estender a obediência, além dos juízes, ao poder público. O impacto dessa mudança nunca foi devidamente avaliado durante a tramitação, mas a partir deste ano o governo federal terá a oportunidade de vê-lo na prática. Entre os sete projetos de súmula prestes a ir a plenário, um trata de uma derrota bilionária do governo: a base de cálculo da Cofins. A medida também dará um outro contorno a novas derrotas em disputas tributárias, como a que se delineia no caso da exclusão do ICMS da base da Cofins.

Por enquanto, a Fazenda está tranqüila com os desdobramentos da transformação da decisão da base de cálculo da Cofins em súmula. Segundo o procurador-adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Fabrício Da Soller, com a aprovação da súmula vinculante a Fazenda terá de devolver os depósitos judiciais relativos à disputa - estimados em R$ 6 bilhões em meados do ano passado - e a Receita Federal terá de passar a recolher a Cofins sobre o faturamento - o que deixa de fora as receitas financeiras. Contudo, diz Da Soller, a queda de arrecadação será pequena, pois hoje praticamente todas as empresas já têm ações sobre o assunto ou simplesmente não recolhem mais o tributo conforme a receita bruta. O maior impacto viria do saque dos depósitos, que são contabilizados como despesa corrente, mas que já estão se esvaindo do caixa da União aos milhões desde o início de 2006.

O relatório do Ministério do Planejamento sobre os riscos fiscais na lei orçamentária de 2007 afirma que a questão da base de cálculo da Cofins já deixou de ser um risco fiscal, uma vez que teve decisão definitiva do STF. O relatório, contudo, ainda não faz previsão sobre os desdobramentos dos novos fantasmas tributários do governo: a disputa da exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins e a possível entrada em pauta da exclusão da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) da base de cálculo do Imposto de Renda.

O problema dessas disputas é que elas são pouco conhecidas, e os tributos estão sendo arrecadados normalmente. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), normalmente apenas 40% dos contribuintes entram na Justiça contra tributos. Mas com uma súmula, a decisão vale para todos. Somadas, as duas decisões representariam R$ 65 bilhões em devoluções de tributos, e R$ 12,4 bilhões em arrecadação anual.

Um dos principais articuladores da reforma do Judiciário quando juiz, o hoje deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), diz que a questão da vinculação ao poder público foi criada como uma espécie de compensação aos opositores da súmula, que acreditavam que ela dava muito poder ao STF. Com a vinculação do poder público, os benefícios de uma súmula se espalhariam por todo o sistema judicial, reduzindo o número de processos. Ele diz que o mecanismo foi incluído na proposta entre 1999 e 2000, defendida pelo próprio Gilmar Mendes, então Advogado Geral da União. De acordo com Dino, o tema do impacto orçamentário chegou a ser discutido, mas não interferiu na formulação da proposta, até porque não se tinha uma estimativa exata desse impacto.

Secretário da Reforma do Judiciário durante a tramitação da reforma do Judiciário no governo Lula, Sérgio Renault diz que a questão tributária, ainda que relevante, não chegou a ser debatida. "Apesar de eu saber que a questão tributária tinha um peso enorme, ela nunca chegou a interferir no andamento da proposta", diz Renault. As discussões durante a aprovação da súmula vinculante se concentraram na questão da liberdade de deliberação dos juízes das primeiras instâncias, e o excesso de poder concedido ao STF. Além dos juízes, a oposição vinha da Ordem dos Advogados do Brasil. Segundo ele, ao lado do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a súmula foi o ponto que atrapalhou o andamento da proposta.