Título: Vale cortar a própria carne
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 03/12/2010, Política, p. 6

Liderados por Renan Calheiros, senadores do PMDB tentam tirar o vice-presidente eleito do comando da sigla. Estratégia visa o enfraquecimento do partido na Câmara e o avanço do grupo no primeiro escalão de Dilma

Depois de acertar que caberá aos petistas indicar o presidente da Câmara no primeiro biênio, o deputado Michel Temer (PMDB), vice-presidente eleito, passa por uma tentativa de enfraquecimento dentro da própria legenda. Senadores peemedebistas angariam apoio à proposta de retirá-lo da linha de frente da negociação com a presidente eleita, Dilma Rousseff, sobre cargos no futuro governo.

O movimento começou no gabinete do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A meta é sacar Temer, que também acumula a presidência da Câmara, do comando da legenda e colocar o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) no posto. O argumento público a ser usado é que, como vice-presidente ¿ o segundo maior cargo da República ¿, o deputado não contribui para ajudar a limpar a imagem de que a legenda só está interessada em cargos. ¿O Temer deve se colocar no posto de segundo homem da República, não pode fazer negociação de varejo e se apequenar no debate¿, pregou um parlamentar da legenda.

Nos bastidores, no entanto, é uma jogada para enfraquecer o grupo da Câmara e pressionar Dilma a garantir duas indicações de senadores peemedebistas para a Esplanada. A primeira ocorreu ontem. A presidente eleita convidou o senador Edison Lobão a voltar ao Ministério de Minas e Energia. O segundo peemedebista, que vem da cota da Câmara, é Wagner Rossi, que já ocupa a pasta de Agricultura. A expectativa é de que ambos sejam anunciados hoje, ao lado de Antonio Palocci (PT), para a Casa Civil; de Gilberto Carvalho (PT), para a Secretaria-Geral; e de Alexandre Padilha, para as Relações Institucionais. Dilma pode oficializar também os petistas José Eduardo Cardozo, na Justiça; e Paulo Bernardo, nas Comunicações.

Afago A decisão de antecipar a indicação de Lobão e Rossi faz parte de uma tentativa da presidente eleita de contornar a insatisfação do PMDB com a oferta de participação no próximo governo. Dilma ofereceu à legenda as pastas da Saúde e das Cidades, além da Agricultura e das Minas e Energia. Como na Saúde a indicação de Sérgio Côrtes partiu do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, os peemedebistas recusaram a oferta dizendo que era cota pessoal de Dilma, colocando, no mesmo balaio, a Defesa. O ministro Nelson Jobim é do PMDB, mas não faz parte das nomeações partidárias. A outra ponta da negociação passa por uma compensação e um agrado.

Especula-se sobre a possibilidade de Dilma oferecer ao PMDB a Previdência, que seria coordenada por um senador. O mesmo grupo que quer apear Temer do posto também rejeita o ministério, reclamando que é um posto técnico, sem projeção política e só com problemas. Os dois peemedebistas nomeados pelo presidente Lula para a cadeira ¿ Amir Lando (RO) e Romero Jucá (RR)¿ tiveram passagens rápidas. Jucá durou apenas quatro meses.

Num gesto de afago, a presidente eleita fez um recuo estratégico na indicação de Sérgio Côrtes. Ela emitiu sinais de que não está nada certa a nomeação, numa tentativa de convencer o PMDB a encampar o nome do secretário de Sérgio Cabral. Fontes do partido admitem que, dependendo da evolução das conversas, esse cenário é possível. O presidente do PT, José Eduardo Dutra, buscou tratar como natural as reivindicações do PMDB. ¿Todos os partidos têm legitimidade de postularem participação no governo em função da colaboração que têm dado e que vão continuar dando por conta de sua representatividade¿, disse o petista.

Acordo Nesse complexo xadrez de montagem de governo, o PMDB e o PT encontraram espaço para pelo menos um acerto. As legendas concordaram que caberá aos petistas indicar o nome do futuro presidente da Câmara no primeiro biênio e apoiar o nome do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para 2013 e 2014. O pacto foi selado em conversa entre o presidente petista, José Eduardo Dutra e Temer, na quarta-feira.

Participam também dos diálogos Alves e o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), favorito a ser indicado pelo PT para o terceiro cargo mais alto da República. O acordo prevê ainda que o PT desiste de buscar rodízio no Senado.

Boicote na Câmara O poder de Michel Temer também vem sendo boicotado pela bancada de deputados. Na quinta-feira, 54 parlamentares peemedebistas assinaram uma moção delegando ao líder Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) a responsabilidade de negociar os espaços no futuro governo. Num gesto diplomático, Alves disse que a tarefa cabe a Temer. A iniciativa do documento partiu do deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG).

Reuniões tensas em clima familiar

Em meio às discussões sobre a distribuição de cargos no seu governo, a presidente eleita, Dilma Rousseff, consegue, aos poucos, criar um clima familiar na Granja do Torto, residência de campo da Presidência da República cedida a ela até a posse. Desde o último fim de semana, ela tem a companhia da mãe, Dilma Jane Rousseff, de 86 anos, e de uma tia. As duas moravam em Belo Horizonte (MG). Conhecida pela jovialidade, dona Dilma, que se refere à filha como Dilminha, já disse, em entrevistas recentes, que pretende manter a sua rotina na residência de campo e, após 1º de janeiro, no Palácio da Alvorada.

Está prevista também para os próximos dias a primeira visita da única filha e do neto de Dilma à Granja. Para acomodar Gabriel, de quase três meses, a avó comprou um berço e um colchão há pouco mais de duas semanas. Os móveis custaram R$ 750 e foram adquiridos em uma loja de mobiliário infantil de Brasília pela servidora do governo de transição Marly Ponce Branco. Segundo a assessoria do governo de transição, Dilma pagou por eles. Uma outra providência tomada pelos funcionários da Granja para receber Gabriel foi a remoção de uma arara que ficava próxima à janela do quarto dele.

Além de ser o lugar ideal para preservar a intimidade de Dilma e a de seus parentes, a Granja é o centro de negociações para formação da equipe ministerial. Reclusa, distante de assédios e da imprensa, ela mantém a entrada livre para os três principais integrantes da equipe de transição, os deputados federais Antonio Palocci (PT-SP) e José Eduardo Cardozo (PT-SP), e o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra. O primeiro é presença mais constante e companhia regular de Dilma na hora do almoço. Faz parte também desse grupo o vice-presidente eleito, Michel Temer, que comparece com menos frequência do que os colegas de transição.

Convites e embaraços Desses encontros já saíram importantes definições. Foi na Granja, por exemplo, que Dilma convidou Guido Mantega para continuar no comando do Ministério da Fazenda e promoveu Miriam Belchior de coordenadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a ministra do Planejamento a partir de 2011.

A Granja é também o cenário para notícias desagradáveis. Em uma reunião durante a madrugada, Dilma avisou a Henrique Meirelles que ele não continuará à frente do Banco Central. O mesmo aconteceu com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. No caso deste, a destituição veio acompanhada de um convite genérico para continuar na gestão da petista. Embora Paulo Bernardo não admita, ele deve assumir o Ministério das Comunicações.

Da casa de campo, já surgiram situações embaraçosas. Depois de conversar com o governador Sérgio Cabral, na noite da última terça-feira, sobre as ações do estado no combate a traficantes no Rio de Janeiro e sobre a sucessão ministerial, Dilma foi envolvida no maior imbróglio já registrado até agora no processo de transição. Cabral alardeou que o escolhido da presidente eleita para o Ministério da Saúde seria o seu secretário de saúde, Sérgio Côrtes. Em menos de 48 horas, Dilma desmentiu o convite.

Flores brancas » A rotina de entra e sai de carros de aliados e autoridades na Granja do Torto foi quebrada, ontem à tarde, com a entrega de um buquê de flores para a presidente eleita, Dilma Rousseff. O arranjo, formado por rosas e lírios brancos e cipreste argentino, é de uma floricultura de Brasília. O nome do remetente não foi revelado, mas o carro foi autorizado a entrar na Granja do Torto e entregar a encomenda.

Cabral pede desculpas Depois da precipitação, a desculpa. Essa foi a reação do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), após ter anunciado que o seu secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, seria o ministro da Saúde do governo Dilma Rousseff. Assim que foi feita, a declaração causou um desconforto entre o PT e o PMDB. O vice-presidente eleito, Michel Temer, chegou a reclamar que não tinha participado da negociação. E a presidente eleita tratou de avisar que o nome da pasta ainda não está fechado.

¿Eu cometi esse erro e peço desculpas. Foi uma deselegância de minha parte porque quem escolhe ministro é o presidente ou alguém delegado por ele¿, disse Cabral. Mas o governador tentou aliviar seus atos. Disse que, em uma reunião com Dilma, na última segunda-feira, na Granja do Torto, a presidenta ¿demonstrou o seu desejo de ter o secretário Côrtes, que é um técnico qualificado da saúde, como ministro¿. Diante do encontro, Cabral teria se ¿empolgado¿, apesar de Dilma não ter ¿formalizado o convite¿. Questionado se a sua postura poderia ter resultado na dispensa de Côrtes, Cabral ressaltou que a indicação não faz parte da cota de cargos do PMDB. ¿Na verdade, era uma escolha técnica¿, explicou.