Título: Audiência pública da CTNBio pode ser anulada
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2007, Agronegócios, p. B14

Ameaçada por pedidos de liminares na Justiça Federal, a audiência pública realizada ontem pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para discutir os processos de liberação comercial de sete tipos de milho transgênico corre agora o risco de ser anulada na Justiça.

O Ministério Público Federal prepara uma ação civil pública para pedir a nulidade da audiência. "Houve graves vícios no edital de convocação da audiência e hoje [ontem] ficamos perplexos por não ter havido sequer a apresentação dos processos na reunião. Não foram atendidos os requisitos mínimos de transparência e de participação, como ampla divulgação, acesso prévio aos documentos, apresentação de sugestões e possibilidade de manifestação dos próprios membros da CTNBio", afirmou a procuradora regional da República Maria Soares Cordioli, representante do MPF no colegiado.

O MP também decidiu recomendar uma "moratória" na liberação comercial de todos os produtos transgênicos por falta de regras e critérios específicos para a avaliação de riscos. "Vamos recomendar essa moratória até uma definição de regras claras que balizem as liberações, da edição de uma instrução normativa específica, com critérios claros e preveja monitoramento e estrutura administrativa para acompanhar os estudos", afirmou a procuradora.

Hoje, começa a primeira parte da reunião mensal da CTNBio. Na pauta, está a aprovação comercial do milho tolerante a herbicidas com glufosinato de amônio Liberty Link, da multinacional Bayer CropScience. Como o governo deve publicar até amanhã uma lei que reduzirá o quórum necessário para a liberação na CTNBio, os interessados no caso dão como certa a aprovação. Assim, a reunião plenária de amanhã poderá aprovar o produto da Bayer com 14 votos favoráveis - não mais com os 18 exigidos pela Lei de Biossegurança. Mas há um detalhe: o Ministério Público determinou que os documentos do processo sejam integralmente traduzidos, o que pode adiar a aprovação. A Consultoria Jurídica do Ministério da Ciência e Tecnologia concordou. "Há uma decisão que manda traduzir. Então, vamos traduzir", disse o presidente da CTNBio, o médico bioquímico Walter Colli.

Alvo de intensa batalha jurídica, a audiência de ontem colocou frente a frente, pela primeira vez, os defensores e os detratores da biotecnologia, além de diversos membros do colegiado. A sessão, que acabou restrita aos inscritos pela CTNBio via internet, teve momentos de tensão, bate-bocas e manifestações das claques contrárias e favoráveis aos transgênicos. Na tentativa de controlar os ânimos, Colli exaltou-se em várias ocasiões, especialmente quando foi debatida a recomendação de não-participação de membros da CTNBio nas discussões. "Se membros da CTNBio forem questionados, vira um tribunal de exceção. Eu [se questionado] não responderia", disse. Na platéia, a relatora do processo da Bayer, e médica hematologista Lia Giraldo Augusto, gritou: "Eu quero falar. Como relatora, quero responder às perguntas e formular questões que mais uma vez não foram respondidas pela empresa, que saiu de novo pela tangente". Ela questionava a falta de dados e estudos de impacto ambiental realizados no país. Diante da confusão, Colli decretou: "Está cassada a palavra".

O representante da Bayer, Denis Lima, afastou temores de polinização de outros tipos de milho convencionais e disse que o produto da empresa tinha características de "função neutra". O assessor da ONG ambientalista ASPTA, Gabriel Fernandes, questionou a falta de estudos prévios sobre transferência horizontal do pólen, estudos em cobaias jovens para avaliar a atividade do promotor viral do milho e afirmou que a CTNBio não poderia concluir pela biossegurança do Liberty Link. A advogada da ONG Terra de Direitos, Maria Rita Reis, cobrou a ausência de referências bibliográficas no processo da Bayer, a falta de estudos de impacto ambiental, a apresentação de 81% do processo em inglês e a não realização de estudos recomendados por pareceristas da CTNBio.